Olimpíadas ou Direitos Humanos?
Jogos de Inverno, em Pequim, serão desafio especial aos patrocinadores
Jogos de Inverno, em Pequim, serão desafio especial aos patrocinadores
Vista aérea da Vila Olímpica, em Pequim; política e esporte andarão de mãos dadas no noticiário de cobertura dos Jogos de Inverno, este ano (Crédito: Wang Zirui / Costfoto/Future Publishing via Getty Images)
2022 será um ano no qual o esporte e os direitos humanos farão parte das mesmas pautas em programas políticos e mesas redondas. Uma das principais razões dessa confluência serão os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Inverno em Pequim, entre os dias 4 e 20 de fevereiro e 4 e 13 de março, respectivamente.
O assunto que ainda desperta pouco interesse no Brasil, graças à limitada popularidade das Olimpíadas de Inverno, é tema de discussões e cobertura diária na Europa e na América do Norte. Mas com a proximidade do evento, isso deve mudar por aqui também.
De acordo com as organizações internacionais dedicadas ao monitoramento dos direitos humanos e suas violações, como a Human Rights Watch, a China é um país com uma infinidade de problemas e isso não é algo recente.
Quando o país sediou as Olimpíadas de Verão em 2008, as disputas entre Pequim e o Tibete já eram um problema de proporções globais. Naquela época, a China ocupava a 126ª posição no “Human Freedom Index” do Instituto Cato (ao todo são 150 países). De lá para cá, as coisas só pioraram graças a outras medidas do governo como a recente intervenção em Hong Kong ou a contínua redução das liberdades de seus cidadãos. No mais recente ranking (dados de 2019), a China caiu para a 150ª posição.
Entretanto, o problema mais visível e discutido nos últimos anos é o tratamento dado aos uigures, um grupo étnico turco nativo de Xinjiang (no noroeste da China). Os uigures são uma etnia predominantemente muçulmana, e isso é algo que desagrada o governo em Pequim.
Sob a bandeira de “guerra contra o terrorismo”, os uigures foram aprisionados em campos de concentração para serem “reeducados”, mulheres foram esterilizadas, motivadas a terem menos filhos ou a se casar com chineses de outras etnias, seu idioma e religião proibidos, seus líderes acadêmicos e religiosos perseguidos e presos e muito mais. A situação é tão crítica que o governo americano declarou a crise dos uigures como um genocídio.
É nesta mesma China que acontecerão os próximos Jogos Olímpicos.
Em 2015, quando o Comitê Olímpico Internacional escolheu a sede dos Jogos Olímpicos de 2022, Pequim não era a sua primeira opção. Potenciais candidaturas mais fortes – Munique, Helsinque, Vancouver, Barcelona e algumas cidades americanas – foram desistindo ao longo do processo. Quando as propostas finalmente foram entregues, só duas cidades seguiram o processo formal além de Pequim: Almati no Cazaquistão e Oslo, na Noruega. Antes da votação, Oslo decidiu não mais participar. O COI então ficou refém de dois países com péssimos históricos em direitos humanos. No final, ganhou (por uma pequena margem), o que oferecia menor risco operacional.
Apesar de não ter sido essa a intenção, a decisão do COI em 2015 teve implicações significativas na forma com que os departamentos de marketing das empresas patrocinadoras – Airbnb, Allianz, Atos, Bridgestone, Coca-Cola, Intel, Omega, Panasonic, P&G, Samsung, Toyota e Visa – poderão promover seus patrocínios em 2022.
Patrocínios representam somente 18% das receitas do COI (a principal fonte são os direitos de transmissão que representam 79% de tudo o que arrecada o Comitê Olímpico Internacional). Mas os patrocinadores – e não as empresas de mídia – são os mais pressionados pela imprensa e pelas Organizações Não Governamentais para fazerem um boicote comercial aos Jogos.
A situação é muito delicada para estas empresas e os riscos estão por toda parte, independentemente do que elas decidam fazer.
Se atenderem às demandas das ONGs e governos, não só perderão milhões de dólares investidos nos contratos de patrocínios, mas principalmente correrão o risco de enfurecer o governo chinês e serem retaliadas no futuro. Quase todas estas grandes marcas têm operações gigantes na China e não podem correr tal risco. Fracassar na China pode levar a um fracasso de escala global para a maioria das empresas patrocinadoras.
Por outro lado, se elas ignorarem as demandas da sociedade e seguirem com suas propagandas e promoções, podem ter sua reputação comprometida e serem retaliadas por analistas de mercado e consumidores conscientes das violações chinesas.
Nos próximos três meses veremos como cada patrocinador vai andar nessa corda bamba. Alguns cometerão deslizes e sofrerão as consequências. Os melhores passarão ilesos por mais esse evento global e serão capazes de crescer seus negócios apesar de todos os riscos. A diferença entre os dois grupos será a qualidade de suas equipes de marketing esportivo e relações públicas.
Boa sorte para meus amigos patrocinadores.
*Crédito da foto no topo: Reprodução/ Band
Compartilhe
Veja também
“Conectar ou morrer”
Corrida pelo domínio da inteligência artificial (IA) e onipresença do assunto em eventos como MWC e SXSW suscita dúvida sobre onde está o underground quando todo mundo está olhando para a mesma coisa
Ciclo virtuoso
Crescimento feminino nas empresas acelera resultados e impulsiona alta performance