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Opinião

Os riscos de associar uma marca a uma pessoa

Empresas com marcas fortes têm que pensar muito a respeito desse tipo de estratégia, por mais "segura" e inabalável que seja a imagem da personalidade em questão


31 de agosto de 2016 - 8h00

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Ryan Lochte é a edição mais recente de um dilema recorrente no mercado

Lembro muito bem de uma situação de grande aprendizado vivida há mais de 20 anos. Essa minha experiência teve como pano de fundo uma série de debates e reuniões com o Diretor de Relações Externas da empresa a respeito de um projeto de patrocínio. Apesar de ter acabado de assumir o comando de comunicação de marketing, eu ainda era uma espécie de aprendiz de feiticeiro da área, tudo era novidade. Sob a pressão de construir projetos inovadores, surgiu na nossa frente uma oportunidade maravilhosa de patrocínio. O retorno sobre o investimento mostrava-se espetacular e a oportunidade parecia imperdível.

A questão é que o projeto de patrocínio estava ligado a uma personalidade nacional, uma pessoa admirada por todos, com uma reputação inabalável e querida por toda a mídia. Associar o nome da empresa a essa personalidade parecia ser maravilhoso, pois essa pessoa agregaria atributos importantes para a marca. Foi um projeto que a minha equipe vinha desenvolvendo arduamente, com características inovadoras e inexistentes no mercado. Como aprendiz da área, obviamente, cometi equívocos e erros que poderiam ter sido evitados. Um deles é que deixei para conversar com o Diretor de Relações Externas muito tarde. Quando cheguei nele, o desenho do projeto já estava num estágio muito adiantado.

Lembro muito bem da conversa inicial. Ele questionou o projeto desde o primeiro minuto. Não tinha nada contra a pessoa, aliás, ele afirmou várias vezes ser um admirador voraz dessa personalidade, mas achava um risco muito grande associar a marca da empresa a uma celebridade. Ou seja, seu argumento era conceitual e não dizia respeito ao nome envolvido. Ele não recomendava seguirmos em frente com um projeto daquele tipo, independentemente da personalidade ou do nome em questão.

Seu receio se baseava em dois simples pontos:
– que o nome da pessoa se sobrepujasse à marca da empresa;
– que algum problema pessoal daquela personalidade, desconhecido e/ou imprevisível, pudesse impactar os atributos da marca, podendo até causar uma crise, o que prejudicaria tremendamente a credibilidade da marca.

Ele dizia que, por mais inabalável que fosse a reputação de tal pessoa, fatos imprevistos e situações impensadas poderiam reverter o cenário e colocar em risco a marca da empresa. Acho que ouvi isso dele mais de “mil vezes”.

O projeto proposto era, inicialmente, de doze meses. Isso significava dizer que, ao longo do tempo, a associação da marca da empresa com a personalidade iria se fortalecer, a ponto de os atributos dos dois lados se misturarem. O executivo tinha muito receio dos riscos envolvidos, apesar de todas as evidências mostrarem que as ameaças eram mínimas e controláveis. Eu, na minha ingenuidade e inexperiência, achava-o excessivamente conservador e não conseguia ver riscos sérios. Eu queria a todo custo colocar o tal projeto inovador no ar, pois tinha certeza de que ele traria excelentes resultados para a empresa. Enfim, foram várias discussões e muitas análises feitas até a tomada de decisão.

Conto toda essa história por causa da notícia que ocupou os jornais nas últimas semanas: a mentira do nadador Ryan Lochte para encobrir a sua noite de baderna tropical durante os Jogos Olímpicos no Rio. Cinco grandes patrocinadores anunciaram o cancelamento dos contratos com Lochte. Segundo o cálculo de especialistas da ESPN, antes do incidente, o nadador contava com aproximadamente um milhão de dólares em cotas de patrocínio. Além da enorme perda financeira, o Comitê Olímpico e a federação de natação dos Estados Unidos sinalizaram que Lochte poderá ser punido por tais entidades. Ou seja, o que já é muito ruim, pode piorar ainda mais.

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Phelps: materialização do estilo de vida saudável, até sua foto fumando maconha estourar na imprensa

Histórias similares são bem conhecidas, apenas mudam os personagens e as marcas. Um dos casos famosos ocorreu com um dos atletas mais admirados no mundo: Michael Phelps. No início de 2009, uma foto do Phelps fumando maconha explodiu na imprensa. A imagem dele era tão forte na época que as caixas de sucrilhos da Kellog’s carregavam a imagem do atleta estampada em grande estilo. Phelps era sinônimo de sucesso, saúde e código de conduta. Era difícil imaginar que algo pudesse abalar esse fenômeno. Afinal, o que poderia acontecer a um campeão olímpico como ele, na época com 23 anos, com toda uma carreira ainda pela frente? O fato é que o improvável, inconcebível ou inacreditável aconteceu.

Outro caso bastante conhecido é o de Tiger Woods, que também ocorreu em 2009. O escândalo de infidelidade conjugal do maior jogador de golfe americano de todos os tempos causou sérios impactos aos seus patrocinadores diretos. Ele era considerado, tal como Michael Phelps, um exemplo de atleta, cidadão e ser humano. Todo mundo queria se associar a ele. Em pouco tempo, os patrocinadores foram abandonando o atleta e tratando de gerenciar uma situação improvável e complicada. Nos anos seguintes, Woods saiu do noticiário e sua imagem perdeu o encanto.

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Caso de infidelidade conjugal de Woods fez imagem do atleta perder o brilho

Como desvincular as marcas desses acontecimentos? Essa é uma pergunta curta que sempre exige uma resposta longa. Empresas com marcas fortes têm que pensar muito a respeito da estratégia de associar suas marcas a uma personalidade, por mais “segura” e inabalável que seja a imagem do personagem em questão. Os exemplos de Lochte, Phelps e Woods são casos evidentes dos riscos de tais estratégias.

Sobre a minha história…

O projeto era o patrocínio ao Jô Soares, quando a IBM colocou na mesa do Jô, no seu programa Jô Onze e Meia, um notebook onde ele acessava a internet ao vivo. Isso ocorreu na década de 90, quando a internet começava a despontar e chegar a nossas vidas. Foi a primeira vez que isso foi feito na TV, em todo mundo. Foram quase dois anos contínuos no ar, de segunda a sexta, com grande sucesso e impacto na mídia. O diretor da IBM era Roberto Castro Neves, uma das maiores autoridades de comunicação corporativa do País, hoje consultor e autor de vários livros de comunicação. O projeto foi adiante e gerou grande retorno para a IBM, que naquela época buscava popularizar sua marca, pois ainda era conhecida como fabricante de PCs. Os nomes IBM e Jô Soares ficaram intimamente conectados durante aquele período.

Vai aqui um abraço saudoso ao amigo e mestre Roberto Castro Neves. Com ele, aprendi os fundamentos da comunicação e do relacionamento com a imprensa. Ele tem responsabilidade direta na minha formação e pela minha decisão de seguir na carreira. Agradeço a ele por ter suportado um “garoto” repleto de energia, insistente e muitas vezes inconsequente. Com ele, amadureci muito e me tornei um profissional melhor.

Texto baseado em um post que escrevi anos atrás. A história se repete.

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