Parem de pensar em Millennials
Por que categorizar consumidores por geração pode ser perigoso
Por que categorizar consumidores por geração pode ser perigoso
A crise traz oportunidades curiosas. Recentemente, fomos procurados para ajudar a revisar a visão e a estratégia de um grupo de marcas de uma grande empresa de bens de consumo global. O pedido era para que fizéssemos o benchmark de todos os seus concorrentes. Tentamos explicar que esse não é o nosso trabalho e que seria melhor esquecer por um momento dos concorrentes. Focar neles não só aumenta seus pontos cegos como traz limitações ao pensar em melhorias incrementais em vez de incentivar um melhor entendimento das verdadeiras necessidades dos seus consumidores. Mas não teve jeito, o cliente insistiu no benchmark para poder desenvolver a melhor estratégia para atingir os millenials.
Essa abordagem me trouxe algumas questões à mente. Por que fazemos o que fazemos? Por que compartilhamos o que compartilhamos? O que nos faz ser a complexa espécie de seres humanos que somos? Entender os comportamentos das pessoas e as razões por trás delas requer um esforço que vai além de da- dos demográficos e psicográficos. Idade, cor de pele, sexo, classe econômica e social não conseguem descrever quem uma pessoa é e como ela se comporta. Por exemplo: eu sou uma mulher casada, latina, quarentona, mãe de dois meninos. No entanto, essas informações apenas não conseguem pintar a imagem completa de quem eu sou porque são inputs estáticos. Não conseguem descrever que mergulhei por anos, que morei numa barraca nas montanhas, que adoro correr e que recentemente fiquei viciada em ouvir podcasts. Estas experiências influenciam a forma na qual opero e enxergo o mundo. Não é possível entender quem eu sou sem considerar esses elementos.
Os dados psicográficos, por sua vez, tentam nos dar uma imagem mais completa e viva sobre o consumidor, nos fornecendo suas paixões e interesses, mas ainda apenas desbravam a superfície no entendimento do seu comportamento. Existe uma dimensão mais profunda que é precursora dos psicográficos e que pode nos ajudar não só a descrever melhor o comportamento das pessoas como a prevê-lo. Uma dimensão que consegue antecipar os lugares onde vamos, o que consumimos e como consumimos. Esta dimensão são as nossas redes — os nossos dados psicográficos são apenas o resultado das redes as quais pertencemos.
E por redes não estamos falando de algo muito científico, sofisticado nem difícil de compreender. Nossas redes são simplesmente os grupos aos quais pertencemos — os nossos amigos de escola e de faculdade, a nossa família e nossos companheiros de trabalho, por exemplo. As pessoas com as quais compartilhamos nossas experiências e interesses. Entender os consumidores por meio dos grupos aos quais pertencem é importante porque existem dinâmicas neles que nos definem como pessoas, como enxergamos e entendemos a vida.
Gostamos de pensar que somos seres independentes, mas a maior parte das nossas vidas é regida por normas e rituais dos grupos aos quais pertencemos, todas aquelas frases não ditas, mas subentendidas que nos permitem pertencer a grupo X ou Y e que nos mantém juntos. Fazemos tudo em nosso poder para nos encaixar nas normas dos grupos que nos importam já que não ser aceito ou ser expulso é muito doloroso. Nossa cabeça processa essa dor tanto como se fosse uma dor física e por isso fazemos tudo o que podemos para nos mantermos dentro do grupo.
A verdade não é como a frase “eu penso e por consequência eu sou”, mas sim “eu sou e por consequência eu penso”. Nossas redes definem quem somos, nossa identidade e o que usamos para nos descrever. Elas são uma forma muito mais poderosa para prever influências e comportamentos. São essas pessoas que estabelecem a forma como vemos o mundo e influenciam o que decidimos comprar, ainda mais hoje por meio da rapidez tecnológica e das redes sociais. Nesse contexto, uma marca pode ser uma grande aceleradora na comunicação de quem somos e do que nos importa.
Olhar o consumidor por meio de suas redes nos fornece uma forma muito mais precisa e viva para descrevê-lo e entender por que não podemos agrupar toda uma geração em um grupo só pela data de nascimento.
Só nos EUA, existem mais de 80 milhões de pessoas que não podem ser reunidas num grupo só pela sua data de nascimento. Não, os millenials não são todos iguais e usar este demográfico para fazer generalizações e estratégias nos aprisiona num conteúdo estático e míope que dificilmente vai conseguir nos prover dos insights necessários para falar das coisas que são relevantes.
Ninguém se olha no espelho toda manhã e diz “Eu sou um millenial inovador e conectado” como está descrito em tantos briefs. Esta denominação não tem valores, regras nem rituais compartilhados. Maratonistas, hackers, músicos são grupos que têm uma série de normas sociais que os define, que os une e que fazem um indivíduo pertencer e outro não. Millenials, pelo contrário, não formam um grupo ao qual as pessoas querem pertencer para se sentir queridas ou aceitas. Trata- se de uma nomenclatura demográfica para definir um grupo de pessoas que não é real e que não nos diz muita coisa. Exigir autenticidade das marcas não é algo exclusivo dos millenials, é algo que todos nós como consumidores gostaríamos de ter direito a usufruir. Não são só eles que confiam mais nas sugestões de um estranho que nas de uma marca. Quem não quer uma marca autêntica? Quem não quer produtos mais saudáveis a melhores preços?
Se queremos achar os insights que de fato vão nos ajudam a enxergar novas oportunidades de negócios, a influenciar e persuadir comportamentos, talvez seja melhor começar a entender as redes das pessoas. Requer um esforço maior? Com certeza, mas só as marcas que criam relações genuínas conseguem ter usuários leais que não as trocam só pelo preço e que se orgulham em compartilhá-las, porque elas os ajudam no processo de se definirem como pessoas.
Talvez um primeiro passo para transformar seu negócio seja reavaliar o investimento em informações estáticas por oportunidades que gerem interações dinâmicas com as redes que interessam para tentar entender melhor os usuários. A tecnologia nos permite conseguir melhores dados, mas dados por si só não significam muita coisa se não entendemos as pessoas. A tecnologia muda muito, muito rápido, mas as pessoas não. E talvez a melhor forma de entendê-las seja por meio das normas sociais e rituais que regem suas redes e que alimentam nossos psicográficos.
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