Parenti é Serpenti?

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Opinião

Parenti é Serpenti?

Conceito de “família” propagado por empresas é bem diferente do real, em que as relações nada têm de comercial


13 de dezembro de 2023 - 6h00

No filme italiano de Mario Monicelli, cujo nome dá título a este texto, uma família aparentemente feliz se encontra, depois de anos, na casa da nonna para a ceia de Natal. A fraternidade que os cerca vai se mostrando um grande teatro quando cada um deles revela suas frustrações em relação aos demais.

Porque eu trouxe para esse universo, o do mundo corporativo, a estória de um filme dos anos noventa? O que tem uma coisa a ver com a outra?

Se a vida imita a arte – ou o contrário – vamos falar daquela cultura corporativa em que se propaga que, “na nossa empresa, somos uma família”. Posso atestar que é, sem exceção, uma mentira. Ou o conceito de família que se propaga entre as empresas, é muito diferente da minha forma de vê-lo. Para mim, família tem a ver com laços de sangue ou de muito amor, com histórias da infância compartilhadas, com relações que nada têm de comercial. Com Natais engraçados, com grupos de whatsapp em que o tio do pavê (que família não o tem?) solta uma groselha que os adolescentes fazem aquela cara tão deles de que “é só o tio do pavê falando mais uma groselha”. Ou os filhos que se preocupam que os pais estejam ficando muito esquecidos, “Será Alzeimer?” Tem a ver com ajuda, inclusive financeira, se alguém precisa.

Por essa razão, eu não acredito que nenhuma empresa seja uma família – a não ser que você seja herdeiro de uma que tem o seu sobrenome, claro – e não acho saudável pensar que ela é. Confunde. Isso frustra muito quando se tem que demitir aqueles “membros da família” em um corte porque as margens não alcançam. Os assédios que existem não deveriam acontecer em uma família. Se este é um argumento que faz as pessoas produzirem mais contentes, quando estes laços são destruídos em layoffs, o entendimento é o de que aquela família não te quer mais. E, por razões nada afetivas, tipo “o número não está bom”, ou “você não tem performado”, ou “estamos fazendo uma restruturação”. Ao me deparar com tantas demissões – um passeio pelo LinkedIn nos mostra a quantidade de crachás acompanhados de textões de despedida que cortam o coração – me parece um desserviço uma empresa adotar esta narrativa. E uma crueldade também.

É perverso porque pela nossa família nos doamos à morte, se necessário. Quando a empresa faz você crer que faz parte do clã, ela se coloca no mesmo patamar do que você tem de mais precioso.

Ninguém precisa amar o/a chefe, ou o/a dono/a da empresa e vice-versa. Seria, sim, desejável que ele/a tenha valores parecidos aos seus e por isso vocês se respeitam: pelas trajetórias, pela forma como tratam os demais, pelos exemplos e atitudes. Respeitar o outro tem que ser obrigatório em qualquer relação, tendo ela laços afetivos ou não.

Assim, se a empresa propaga que os seus colaboradores fazem parte de uma família, desconfie, para o seu bem. É uma forma de fazê-lo sentir que pertence a uma entidade maior que a empresa que está ali pagando o seu salário e dando lucro. Isso não o impede de adorar o lugar em que você está, seus colegas, seus chefes. É bem melhor que seja assim, já que passa bastante tempo com eles.

No entanto, uma relação de trabalho é uma relação de troca e de colaboração entre adultos com histórias, experiências e famílias muito diversas. Essa é a beleza de se trabalhar em equipe: o entendimento que viemos de lugares diferentes, mas buscamos um resultado comum, que deve ser pago de forma justa e numa jornada de trabalho que garanta tempo para que você possa curtir os seus amigos ou a sua família. Essa, sim, de verdade.

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