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Opinião

Pelo fim dos engenheiros de obra pronta

Arriscar precisa ser parte do processo, junto com uma necessidade constante de estudar, fazer perguntas, ler e se educar, para evitar que sua campanha acabe ferindo direitos humanos


20 de maio de 2024 - 6h00

Começo a escrever este artigo ouvindo Agora só falta você, da Rita Lee, tocando ao fundo, enquanto reparo nos detalhes de um dos painéis de vitrais do Museu de Arte Brasileira, o MAB, que fica na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. São 59 projetos assinados por artistas brasileiros como Candido Portinari, Fúlvio Pennacchi, Lasar Segall e Tarsila do Amaral. Vale a visita só por eles.

Vim até o MAB para ver a exposição Latência, do Dee Lazzerini, que conta com aproximadamente 230 obras, entre instalações, esculturas e audiovisual, por meio dos quais podemos navegar a expressão do artista sobre, em suas palavras, “um instante de tempo de suspensão absoluta antes do riso, do choro, do nascimento, da morte”. Latência, essa palavra tão potente, traduzida em obras visualmente tão únicas, me fez pensar sobre como a coisa que nos machuca também pode ser a coisa que nos protege. Como podemos usar o medo como uma bela armadura, mas sem deixar que ele tome conta da gente.

Eu acho que artistas são pessoas extremamente corajosas. Expor seu ponto de vista, sua interpretação e visão de algo, dividir algo muito íntimo, muito pessoal e deixar que o mundo sinta, reaja, reflita, opine, critique. Sem o seu controle. E fazer isso de novo, e de novo, nesse constante movimento de busca, de evolução, de aperfeiçoamento. Confiança em um processo que, com certeza, não se desenha de forma clara. Fazer com medo. Eu realmente acho que artistas são pessoas extremamente corajosas.

Se tem algo que precisamos nos dias de hoje, é coragem. Enquanto olho os tais vitrais e seus detalhes delicados, fico pensando sobre o que posso trazer disso para o meu dia a dia. Eu preciso e aprecio esses momentos porque, além de me fazerem sonhar, me inspiram a voltar melhor. Afinal, coragem, na publicidade, é algo que poderia ser mais de prateleira. Rita Lee continua tocando ao fundo enquanto penso: quando foi que ficamos tão avessos a riscos? Uma indústria de inovação com tanto receio de arriscar, como pode?

Pelo timing das coisas, na hora me vieram à cabeça as tantas conversas e opiniões sobre a última campanha da Apple, “Crush”. Sempre interessante observar a velocidade que a crítica tem e quão dispostos estamos, todos, a parar o que estamos fazendo para dar nossa opinião, mesmo que seja apenas para o colega ao lado. De tudo o que eu li de grupos de WhatsApp a posts e artigos, o texto do Fernando Machado, no LinkedIn, foi o que mais me chamou atenção, uma reflexão sobre como a força da crítica pode ser inibidora da inovação.

Ele pontua que, apesar de não gostar do filme, entende como a escala, magnitude e confiança podem ter levado a essa aprovação, e que talvez até ele teria aprovado. A questão que ele levanta, e porque eu quis trazer aqui, é que mesmo ele não amando o filme, a peça ainda é melhor que 99% do que a gente vê por aí, todo dia. Ou melhor, o que a gente não vê, porque passa desapercebido. E ele levanta um outro ponto bem interessante também: quão curioso é ver pessoas que nunca fizeram algo realmente bom criticando a campanha, como se fossem grandes conhecedores de propaganda. E aqui eu me conecto bastante com o pensamento, por duas razões principais. Primeiro, porque trabalhar com propaganda não quer dizer ter grande conhecimento sobre o craft da propaganda, saber definir e construir o que é excelência. Me contaram um termo que define bem: engenheiros de obra pronta. Aquele que chega quando tudo está pronto e aponta o que poderia ser melhor. Eu imagino que na sua vida essa seja uma figura que também exista, cheia de opiniões. E, segundo, porque a realidade é que a maioria que critica não tem coragem de fazer um trabalho como a Apple faz. Observem o conjunto da obra dessa marca, quantos acertos, quanta coisa boa na sequência. Um erro no meio de tantos acertos é bem melhor do que um acerto no meio de muita coisa irrelevante.

E, se nós estamos aqui, fazendo parte dessa indústria e querendo construir marcas poderosas como a Apple, talvez a gente possa fazer uso de um pouco de empatia, ou simpatia, com um time que tenta, que arrisca. Quando uma marca arrisca e avança, todo mundo ganha. Para todo mundo ganhar, alguém tem que ter a coragem de tentar.

Pense quantas marcas possuem plataformas fortes e bem construídas — Dove, Nike, Coca-Cola, Bodyform — e o quanto isso vem de um constante fazer, testar e aperfeiçoar. Se os times por trás dessas marcas tomassem decisões de criar campanhas sempre evitando riscos, vocês acham que essas marcas teriam a força que elas têm hoje? E, ao mesmo tempo, quantos times se inspiram na trajetória dessas marcas e as usam como referência do que é excelência? O ponto aqui não é sobre não poder criticar, mas como a crítica é feita, para que ela ajude a evoluir ao invés de inibir. Seria bom se existisse uma fórmula mágica para construirmos marcas poderosas que sobrevivem ao tempo sem nunca correr riscos, mas acho que seria tão bom quanto seria chato.

A melhor forma de combater o medo é com informação. Arriscar precisa ser parte do processo, junto com uma necessidade constante de estudar, fazer perguntas, ler e se educar, para evitar que sua campanha acabe ferindo direitos humanos. No mais, tente sim, arrisque sim e aproveite essa oportunidade, porque é assim que você pode vir a criar algo novo, que transforme e que informe o que vem por aí. Pense diferente.

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