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Opinião

Plataformas, eleições e regulação

O anúncio do Facebook de planos de contenção de mensagens políticas logo após o fechamento das urnas em 3 de novembro é um sinal dos tempos turbulentos que irão afetar a publicidade


4 de novembro de 2020 - 13h30

(Crédito: iStock/Vchal)

Escrevo esta coluna dez dias antes das eleições americanas. Independentemente de quem ganhar, já temos outro perdedor: as grandes empresas de tecnologia, que desfrutaram de pelos menos duas décadas com pouca ou nenhuma regulação por parte da sociedade (o último processo fundamental no setor foi contra a Microsoft, em 1998). A abertura de uma ação antitruste contra o Google , por práticas anticompetitivas via acordos de exclusividade com outras empresas como Apple, Samsung, Verizon, entre outras, é apenas o primeiro passo no que promete ser uma batalha entre o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, reguladores europeus e grupos em defesa da privacidade contra as principais empresas de tecnologia do Ocidente (existem também implicações geopolíticas que irão atingir empresas chinesas, mas este é outro assunto). O resultado desta luta vai impactar profundamente todo o setor de adtech e publicidade digital nos próximos anos.

Há muito tempo se discute a necessidade de regular os oligopólios de tecnologia, em movimento similar ao que foi feito na virada do século passado contra as empresas de petróleo nos EUA (e nos anos 1970 contra a AT&T). Mas, no meu entender, o fator decisivo foi o fato dessas plataformas terem sido instrumentalizadas por grupos ideológicos visando o embate eleitoral. Como é o caso das teorias de conspiração que cercam a eleição americana, notadamente a QAnon, uma improvável narrativa sobre como Trump e seus seguidores estão tentando deter uma aliança entre a “elite global”, uma rede de pedofilia que inclui o Papa e Hillary Clinton e ocupantes de altos cargos na burocracia americana, europeia e internacional (ONU, OMS etc.) para continuar a dominar o mundo .

Teorias da conspiração sempre serviram para fins políticos e eleitorais (por exemplo, o “Protocolo dos Sábios do Sião”, uma denúncia sobre uma suposta tentativa dos judeus para controlar o mundo foi escrito no século XIX, mas foi amplificada pelos nazistas durante seguidas eleições até alcançarem o poder), mas, impulsionadas pelos algoritmos plataformas de software, atingiram um nível de difusão e “credibilidade” (entre aspas, claro) que ameaça não só a democracia como o próprio contrato social.

Do ponto de vista econômico, o conceito de “plataforma” tem origem na manufatura, principalmente de automóveis. Trata-se de uma “base” (um chassi ou um software, por exemplo) ao redor da qual uma empresa pode desenvolver diferentes variações e que também atrai outras empresas que se aproveitam das economias de escala e da base de clientes para desenvolver produtos e serviços (os chamados complementadores). Esses complementos, isolados, possuem pouca viabilidade econômica, mas juntos funcionam como um “sistema” de valor elevado. Pense nas empresas criadas ao redor dos softwares do Google, do iOS, do Facebook etc.

Essas plataformas tiveram um impacto profundo sobre o sistema publicitário global. Em seus diversos formatos (busca, distribuição de conteúdo, mobile etc.) mudaram a publicidade nos 20 anos deste século mais do que os últimos 50 do século passado — basta ver o fato que a The Trading Desk, uma plataforma para compra de publicidade programática, já tem um valor de mercado que é mais do que o dobro do WPP, embora com apenas 2% das suas receitas. Obviamente, existe um componente especulativo nessa valoração,
mas o fato de uma empresa fundada há sete anos superar os gigantes WPP, Omnicom e Publicis é um sinal do valor das plataformas — lembrando que a The Trade Desk é apenas um complementador, que vende o espaço publicitário de terceiros.

 

(Crédito: Magna-FT)

Mas nenhuma entidade econômico-empresarial existe no vácuo, e não seria diferente com as plataformas digitais. Sua eficiência econômica começou gradativamente a se traduzir em influência social, e é essa influência que os grupos políticos desejam manipular. Como sabemos, Obama foi o primeiro a perceber isso, ainda que de forma “artesanal”. Mas a campanha de Trump aperfeiçoou este processo, via Cambridge Analytica e, com isso, as empresas de tecnologia foram tragadas para o “pecado original” das empresas de mídia: se tornaram instrumentos na luta pelo poder (talvez Jeff Bezos já estivesse antevendo isso quando comprou o Washington Post em 2013). Que o Facebook tenha anunciado recentemente planos de “contenção” de mensagens políticas logo após o fechamento das urnas em 3 de novembro, para evitar o estímulo de atos de desobediência civil, é um sinal dos tempos turbulentos que irão afetar a publicidade, inclusive das marcas comerciais, nos próximos meses.

*Crédito da foto no topo: Reprodução

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