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Opinião

“Por mim”

Por que algumas ideias mais atrevidas viram realidade e outras não? Resposta pode estar na presença de um personagem que não costuma se comprometer ou assumir riscos


20 de setembro de 2022 - 16h00

Crédito: Shutterstock

Numa dessas conversas despretensiosas com amigos publicitários, refletimos sobre modelos de negócios das agências, futuro do BV, criatividade original e relação com clientes. Até que entramos numa questão elementar: por que algumas ideias mais atrevidas viram realidade e outras não? Seria a cultura do cliente o maior responsável por inibir ou incentivar a ousadia? Há relação com verba investida? Ou seria pura e simplesmente competência, ou falta dela? Um pouco de tudo, talvez. Mas todas essas hipóteses tiram do indivíduo o protagonismo dos grandes feitos. Seriam a empresa, a verba, a cultura tão determinantes, e somos apenas os reféns do ambiente? Lembrei do Hardy, “Oh vida, oh azar!” (Hardy era uma hiena pessimista, personagem de um dos desenhos animados da The Hanna-Barbera New Cartoon Series, que começou a se veiculada nos anos 1960).

Hardy não era do tipo que lutaria por uma boa ideia, nem colocaria paixão quando outros não topassem com ele. Era, isso sim, do time “por mim, ok”. Você conhece o Por Mim? Pode ser cliente, profissional de agência ou de veículo, não importa. Pode ser da criação, mídia, atendimento ou planejamento. O Por Mim até aprova uma ideia, mas coloca sempre outra instância para bater o martelo. Não se compromete, não toma risco, simplesmente toca a bola de lado e espera alguém dizer sim, não ou talvez. Faz uma firula e um drible inofensivo.

O Por Mim elabora briefing furado e não percebe o trabalho que gera. Ou recebe um belo briefing mas não aproveita a oportunidade. O Por Mim não deixa sua marca, não muda o fluxo e nem se esforça para gerar novos insights. É curioso que o Por Mim é muito criativo para manter a roda girando: pede mais prazo, afinal, o momento não é apropriado. Ou precisa de mais exemplos, porque a ideia não está clara. Até demanda powerpoint pois há muita abstração… Assim não dá para decidir, ora bolas!

O Por Mim tem o hábito curioso de chamar nós de vocês. Vocês, uma entidade etérea. Um éter flutuante de pessoas, como se isso existisse. Com essa capacidade única de tirar o corpo da responsabilidade, vai tocando o barco na ilusão de ser passageiro da própria nau que navega à deriva sem capitão.

E então, com esse jeitão despretensioso de ser, sem dizer sim nem não, vai criando espuma. Faz a roda girar em incríveis 360 graus para não sair do lugar. Cria expectativa e ansiedade nos outros, mas não é por mal. Aliás, o Não é Por Mal deve ser primo do Por Mim.

O Não é Por Mal é um tipo simpático, não arruma confusão. Meio desatento, vai agitando, dando uns pitacos aqui e acolá. Como não tem maldade no coração, também coloca fermento na espuma, criado pelo Por Mim. E, de repente, sem grandes convicções ou compromissos, dá aquele cavalo de pau. O projeto é interrompido, a prioridade muda, o chefe não conhece a iniciativa. Finito.

Atônito, alguém suado e cansado de tanto rodar igual pião, pergunta o status do projeto para ouvir, finalmente, uma resposta firme e objetiva: “Por mim, aprovaria, não é por mal”.

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