Por que a vulnerabilidade na liderança ainda incomoda tanto?
Entre mitos e medos infundados, estamos todos perdendo
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Tive uma conversa com um colega que ficou na minha cabeça por algum tempo. Ele me disse: “Você coloca suas emoções na mesa, é muito próxima do seu time, isso não te faz bem. Se, por exemplo, você precisar demitir alguém, não vai conseguir”. Acho que ri, talvez um pouco sem graça, talvez por achar o comentário sem sentido.
Ele não sabia, mas já precisei demitir um número razoável de pessoas. E ele também não sabia, mas sou amiga até hoje de todas elas. Ser uma líder vulnerável não está diretamente relacionado com ética profissional ou habilidade para tomar decisões difíceis. Muitos profissionais ainda acreditam no mito da vulnerabilidade ser sinônimo de fraqueza, quando na verdade a vulnerabilidade é um ato de coragem que permite a criação de conexões saudáveis e leva a lideranças mais empáticas. E não só isso, ela ainda ajuda a formar líderes mais inovadores, criativos e ousados.
Tenho a percepção de que ainda há muita confusão entre os conceitos de vulnerabilidade e inteligência emocional, então vamos esclarecer suas diferenças. De acordo com a Brené Brown, uma das maiores estudiosas sobre a vulnerabilidade, “essa é a emoção que experienciamos em momentos de incerteza, risco, e exposição emocional”. No livro Atlas of the Heart, a autora afirma que não existe coragem sem vulnerabilidade porque a coragem requer disposição para lidar com incertezas, riscos e exposição emocional. Já na obra A Coragem para Liderar, Brené escreve que “vulnerabilidade é ter a coragem de agir quando não se pode controlar o resultado”, das coisas mais simples como encarar uma conversa difícil com um liderado, pedir desculpa a um colega, assumir que não tem todas as respostas ou demitir alguém, até momentos como inovar sob o risco de falhar e eventualmente falhar, mas seguir persistente e corajoso, sem recuar.
Segundo o autor da teoria sobre Inteligência Emocional, Daniel Goleman, ela se baseia em cinco habilidades-chave que permitem que o indivíduo consiga lidar com as suas emoções. Ou seja, a falta de Inteligência Emocional leva à incapacidade de gerenciar as emoções e, consequentemente, a uma maior dificuldade em construir boas relações e tomar decisões com consciência.
A pesquisa Inteligência Emocional & Saúde Mental no Ambiente de Trabalho, realizada em 2023 pela The School of Life e pela Robert Half, apontou que 65,70% dos líderes e 64,20% dos liderados consideram ambientes que apoiam e acolhem como o item mais importante do trabalho. Ambientes tóxicos foram apontados como o principal motivo para pedidos de demissão. Quando falamos da liderança, os liderados colocaram em primeiro lugar a falta de apoio como habilidade comportamental que mais falta em seus gestores. Apoio, de acordo com a perspectiva da pesquisa, está relacionado a estar presente e disponível, escutar ativamente e valorizar o outro, características que um líder vulnerável tem para oferecer.
Recentemente, ouvi o podcast AdTherapy, criado e apresentado pelo publicitário Alexandre Freire. O programa, apoiado pelo Clube de Criação, foi pensado para discutir a saúde mental no trabalho e aborda questões pouco discutidas publicamente pelas altas lideranças. Entre as entrevistas, queria destacar dois episódios: o do André Kassu e o da Marilu Rodrigues, dois profissionais bem-sucedidos e admirados que não tiveram medo de expor momentos vulneráveis de suas vidas.
Esses episódios me fizeram pensar em outra citação da Brené no livro Coragem para Liderar: “Quando temos coragem de entrar na nossa própria história e reconhecê-la, temos a oportunidade de escrever o final. E, quando não reconhecemos nossas histórias de fracasso, percalços e sofrimento, elas é que mandam em nós”. Ver projetos como o AdTherapy e ouvir esses líderes contando suas histórias me faz acreditar na mudança do estigma. Eles encorajam conversas e olhares mais sensíveis e inspiram outras pessoas.
Um ponto que considero crucial na discussão é que quando separamos pessoa física e pessoa jurídica, ignoramos que a pessoa é a mesma. Por mais que a gente divida burocraticamente as duas, na prática não tem como ignorar que o que se passa com uma, afeta a outra. Todos têm suas inseguranças e medos, e líderes que não encaram e acolhem a sua vulnerabilidade dificilmente serão capazes de acolher a vulnerabilidade de seus times, dificultando também a criação de uma relação de confiança com eles.
Muitos têm medo de que ser vulnerável os rotulem como profissionais sem capacidade para tomar decisões difíceis. Outros foram orientados a não demonstrarem seu lado humano para serem aptos a promoções. Tem também aqueles que ouviram que criar amizade com o time faz com que eles percam o respeito dos liderados. Pra Brené ser vulnerável é um ato de coragem e, olha, em muitos ambientes é mesmo. E se ser vulnerável ainda é visto como algo negativo, então sejamos corajosos. É só um pequeno ajuste de discurso, mas um ajuste que pode mudar a cultura de um mercado inteiro.
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