Por que Bogusky desistiu?
Analisar as razões possíveis da segunda saída do criativo da agência que ajudou a construir pode ser útil na busca de caminhos para um dos problemas do mercado publicitário: a atração e manutenção de talentos
Analisar as razões possíveis da segunda saída do criativo da agência que ajudou a construir pode ser útil na busca de caminhos para um dos problemas do mercado publicitário: a atração e manutenção de talentos
Os poucos personagens que se transformam em ícones de atividades profissionais e artísticas assumem, querendo ou não, o papel de atrair atenção para os ofícios que exercem. Ajudam a construir o imaginário coletivo sobre aquela ocupação, o que, por vezes, gera percepções enviesadas — há, por exemplo, figuras expoentes que desvirtuam o propósito da profissão e outras que viram referência sem ter tanto talento.
Na semana passada, o mercado publicitário recebeu a notícia de que um personagem que se transformou em ícone global da atividade desistiu de trabalhar na agência que construiu, pela segunda vez. O norte-americano Alex Bogusky, de 56 anos, deve deixar nos próximos meses a Crispin Porter + Bogusky, que surgiu em 1996, quando ele se tornou sócio de Chuck Porter na Crispin & Porter. A empresa original nasceu em 1988, em Miami, e passou a contar com Bogusky como criativo em 1989.
Nos 21 anos em que ele esteve na agência, 14 deles como sócio, se tornou um dos publicitários mais premiados do mundo e ajudou a transformar a CP+B em uma grife desejada por marcas e profissionais. Apesar disso, saiu dizendo que nunca mais voltaria para a publicidade. Descumpriu a promessa há 18 meses, quando retornou na função de chief creative engineer, que inclui a liderança das áreas de criação, inovação, estratégia e talentos. Agora, disse que sairá para se dedicar mais à família — leia mais à página 10.
Essa segunda passagem relâmpago é daquelas que motivam a angústia de observar um talento que não se encaixa num determinado local, numa situação específica ou mesmo em uma época. Para os que acompanham mais de perto o mercado norte-americano, há razões possíveis para a desistência de Bogusky. A principal delas é a constatação óbvia de que nem o mercado e nem a empresa são os mesmos que os deixados por ele em 2010. Tanto a CP+B quanto a holding canadense MDC Partners, que controla a agência desde 2001, vivem momentos de reorganização global. Além disso, talvez a enorme expectativa gerada pela volta de Bogusky motive análises, como a feita pelo AdAge, de que desde seu retorno, ao contrário do esperado, a agência vive uma escassez de ideias ousadas — “produziu um trabalho divertido, mas, sem dúvida, nada mais notável do que o que já vinha entregando”. Outra possibilidade é a dificuldade de implementar nas agências as práticas enxutas e ágeis das startups de tecnologia, o que era um dos propósitos de sua volta. “Há menos agências com pontos de vista fortes. A maioria, em vez de ir pelo caminho da transformação radical, está indo conforme a maré. E o mesmo vale para as holdings”, criticou Bogusky, em entrevista ao Meio & Mensagem, no final de 2018.
Casos como este e outros, como o de Nick Law, que também após rápida passagem de menos de 18 meses pelo posto de chief creative officer do Publicis Groupe, deixou a holding rumo à Apple no ano passado, escancaram um dos problemas da publicidade: a atração e manutenção de talentos.
Em um momento em que Meio & Mensagem publica a série Futuro do Trabalho, cujo terceiro capítulo está nas páginas 24 a 31, é imperativo refletir como as novas gerações veem o desenvolvimento das carreiras no mercado, diante do horizonte mais volátil e informal.
No vestibular da Fuvest de 2020, o curso de publicidade é o 11º no ranking de candidatos por vaga, atrás de outras carreiras da indústria, como design (10º) e audiovisual (6º). E, em todo o País, estima-se que há cerca de 90 mil estudantes nos cursos de publicidade. Sinal de que o interesse pela área é muito grande. Por outro lado, relatos de ambientes tóxicos, nocivos ao equilíbrio mental, pouco diversos e flexíveis são fatores de repulsa e precisam ser atacados para que, no futuro, a publicidade consiga formar novos líderes inspiradores.
**Crédito da imagem no topo: Reprodução
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