Por trás da máscara
O que podemos esperar de nós mesmos quando estivermos livres novamente da atual ameaça? Seremos seres renovados?
O que podemos esperar de nós mesmos quando estivermos livres novamente da atual ameaça? Seremos seres renovados?
No Templo do Oráculo de Delfos, na Grécia, havia esta inscrição: “Conhece-te a ti mesmo”. E uma segunda: “Nada em excesso.”
Alguns milênios depois, as duas recomendações são incrivelmente atuais. Na vida tribal que nos foi imposta, temos a oportunidade única para praticar ambas.
“Conhece-te a ti mesmo.” Como não sabemos exatamente o que nos espera no futuro próximo ou não tão próximo, que tal mergulhar mais a fundo no presente? Uma trilha que leva a um conhecimento maior sobre nós mesmos e os que nos cercam.
“Nada em excesso.” Quantos de nós não têm aproveitado estes momentos para refletir sobre o que consumimos? E, até muitas vezes, nos questionado se não somos traídos pelo desejo além da conta.
O que será de nós quando pudermos tirar a máscara, as luvas e zerar a incômoda distância social?
O que podemos esperar de nós mesmos quando estivermos livres novamente da atual ameaça? Seremos seres renovados? Será uma nova era de compreensão e de solidariedade humana na Terra? Ou continuaremos nos engalfinhando pela posse do que cada um conquistou e se defendendo dos “bárbaros visigodos e ostrogodos”,
como no filme Parasita?
Quando cair a máscara, é muito provável que até lá teremos incorporado alguns hábitos e cuidados que hoje tratamos com certa displicência. Coisas que já deveríamos fazer há muito tempo. Um mero exemplo: nos tempos da cirurgia por robô, da comunicação digital instantânea, dos carros que não precisam de motoristas, dos Jetsons que viraram coisa real… Nestes novos tempos, descobrimos que ainda não lavamos as mãos decentemente. Confessemos.
É muito provável que nossas casas ganhem um toque a mais do que chamamos lar. Algo que nos aproxime um pouco mais de um traço de aldeia, de ambiente tribal, e que nos empurre menos para fora. Muitos dos consumidores com quem conversamos sentem muito a falta da “retribalização”. E algumas marcas já entenderam como a linguagem de integração social e de acolhimento é importante, e não apenas de diferenciação social. Acreditem: de vez em quando é bom, contrariamente ao que sempre falamos, descer na Pirâmide de Maslow!
Outras áreas da vida também vão se mexer com estes ventos da pandemia. Mas há muita coisa que provavelmente não vai mudar. Não veremos o nascimento de uma nova espécie humana. Aqueles novos mutantes que odeiam comunicação publicitária e as marcas. Continuaremos a ser uma fábrica de desejos. Alguns que vamos realizar e outros, recalcar, adiar, tentar ignorar. Vamos lotar os shoppings e namorar as vitrines como uma Audrey Hepburn na frente da Tiffany. E quando sua filha ou sua esposa disserem: vou entrar porque só queria ver uma coisa na loja, você saberá perfeitamente o que o verbo ver significa. E, no corredor seguinte, você vai fazer a mesma coisa, pelas mesmas necessidades internas.
Estes momentos de isolamento que vivemos, de distanciamento social, são um enorme, imperdível e irrecusável convite para olharmos para dentro de nós mesmos. Para pensarmos na própria história e dos que estão próximos, dos consumidores ao nosso redor.
Tenho visto dois tipos de comportamento corporativo neste momento. As marcas que se sentem de mãos atadas, paralisadas. E as que têm olhado para este momento de forma pedagógica, como um laboratório vivo. Estas, mesmo sofrendo, têm aproveitado plenamente o que prescreve o Oráculo de Delfos: investem em conhecimento sobre si mesmas, sobre o mercado e compreendem as amarguras que seus consumidores vivem.
Em pouco tempo, vamos nos reencontrar sem máscaras e conferir tudo isso.
*Crédito da foto no topo: Ajwad Creative/ iStock
Compartilhe
Veja também
A consciência é sua
Como anda o pacto que as maiores agências do País firmaram para aumentar a contratação de profissionais negros e criar ambientes corporativos mais inclusivos?
Marcas: a tênue linha entre memória e esquecimento
Tudo o que esquecemos advém do fato de estarmos operando no modo automático da existência