Pra começo de conversa
Dialogar é transportar boas histórias e, ao contrário de ideias, histórias não têm dono, ou pelo menos não um só
Dialogar é transportar boas histórias e, ao contrário de ideias, histórias não têm dono, ou pelo menos não um só
Cada vez que uma história é contada alguém empresta algo de diferente nela. É que quando ela se espalha é porque está cumprindo o seu propósito. Cada uma viaja pra um lugar, cada versão é única, afinal, ninguém conta a mesma história duas vezes.
De tanto que mudou o caminho, muitas vezes não se sabe nem ao certo de onde ela vem. O de boca em boca que virou tweet, que virou retweet, que virou meme, que virou sticker.
Mesmo que uma história não seja suficientemente boa para ser contada mais de uma vez, ainda assim ela não pertence apenas à pessoa que está contando. Isso porque pra ela existir depende do match de pelo menos duas pessoas: quem fala e quem escuta. Sim, quem escuta é tão dono da história quanto quem conta. Afinal, é só na conversa que a história vive, acontece, nasce.
E é conversa para todos os lados. Tem a conversa miúda, o papo furado, a boca pequena, a conversa de pescador. Tem até conversa para se jogar fora.
Conversar é transportar as boas histórias. É transmitir, compartilhar, multiplicar.
As ideias são frutos dessa interação. Fragmentos de muitas histórias que se juntam de forma e/ou contextos diferentes.
Ideia pode até ter dono, mas história não. Pelo menos não um dono só.
Infelizmente, não são só elas que se transportam assim, com essa facilidade. Assim como as histórias boas, as notícias falsas também têm esse potencial exponencial. Vivem em função dessa lógica mas com uma diferença fundamental. As “fake news” dependem de um outro transporte para se alastrar. Elas pegam carona no desconhecimento, no preconceito, no viés de confirmação, mas nunca em uma conversa.
Conversa é escuta, fala, troca, construção conjunta de algo novo. Notícias falsas estão mais para um monólogo coletivo. Elas circulam justamente nas bolhas onde não existe troca, apenas mimetização.
Então, quando se diz que “a democracia está em risco” leia-se “a conversa está em extinção”. Fazemos isso em troca de um bem-estar imediato, efêmero e perigoso. Uma cenourinha que nos mantém cada vez mais conectados com o que é banal e cada vez menos conectados com o que importa. Assim funciona o algoritmo. Está em função de nos manter engajados no que tem maior apelo, mas não necessariamente no que nos faz melhores.
É a tecnologia que cada vez mais aprende com a gente e não o contrário.
Somos cada vez mais uma cobaia de um experimento que, mesmo que não intencional, nos coloca em uma posição passiva.
O avanço da inteligência artificial traz uma nova camada de complexidade. Poderia uma interação com um chatbot ser uma conversa?
Isso eu não sei, mas essa é outra história. E fim começo de conversa.
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