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Como tudo na vida, mídia programática é bom, mas também é ruim, simula inteligência, mas na verdade automatiza de um jeito cruel a profissão do comunicador


25 de junho de 2021 - 15h54

Como tudo na vida, mídia programática é bom, mas também é ruim, simula inteligência, mas na verdade automatiza de um jeito cruel a profissão do comunicador.

Mídia programática surgiu junto com a sofisticação das plataformas de mídias digitais, quando ficou muito mais fácil mensurar e programar o alvo correto para cada mensagem publicitária. Através dos hábitos de consumo digitais, mapeados de forma imperceptível, cada movimento na internet se transforma em pista para ações publicitárias.

E diferentemente dos demais processos, a compra de mídia é feita diretamente via software, em um leilão em tempo real, sem contato com proprietários de sites e outras pessoas. Às cegas. Esses softwares, junto com as milhares de informações coletadas a cada segundo nas redes, permitem uma precisão absoluta não só de público-alvo, mas também em relação ao contexto e momento certo para expor cada indivíduo a uma mensagem publicitária, aliás, não só publicitária, mas também política. E daí temos a origem de muita coisa boa, mas também de muita coisa ruim, como a Cambridge Analytics, que favoreceu o crescimento da extrema direita em várias partes do mundo.

É também através de plataformas de mídia programática que se monetiza perfis de criadores de conteúdo em toda internet, como também no Facebook. Cliques são vendidos no atacado, em bolsões de acessos que não se sabe ao certo de onde vêm, ou para onde vão, servem para inflar planos de mídia e simular retorno aos anunciantes. Sem mérito algum, muita gente que produz conteúdo vive disso, sendo o conteúdo verdade ou não.

Pois é, já chegou a hora de dar uns passos para trás e entender para onde essa plataforma que parece genial está nos levando. O assunto de consumo consciente tão falado no início do século ficou diluído num sistema em que não há consciência possível.

E mais, nesse viés, dá para afirmar sim que é a mídia programática que financia o negacionismo, Sleeping Giants está aí para comprovar, é o sistema que paga a conta de todas as pessoas que vivem de mentiras que engajam, vendedores de terrenos no céu dos seguidores, a injustiça cega de pagar por click, não importa de onde venha.

Follow the money e veremos que por trás da extrema direita estão as plataformas que primeiro criaram um sistema em que essas pessoas e o discurso de ódio começaram a ter audiência, segundo começou a remunerar essas pessoas por isso, terceiro, permitiu que isso virasse um negócio milionário de manipulação política.

Difícil entender como um sistema desse tipo prosperou na indústria da comunicação, visto que ele passa por cima de uma regra clara da nossa disciplina: quem anuncia aqui tem de saber com quem está falando, e nós temos de saber o que estamos anunciando. Simples assim.

Como tudo na vida, mídia programática é bom, mas também é ruim, simula inteligência, mas na verdade automatiza de um jeito cruel a profissão do comunicador. Produz bons relatórios, talvez os melhores, mas qual nível de engajamento?

Percebam como novas redes sociais chegam com um algoritmo cada vez mais forte de engajamento, pessoas ganham likes e seguidores cada vez mais rápidos, conectam-se entre si cada vez mais rapidamente. Como assim? Por que isso? São as plataformas aumentando as bolsas de seguidores de forma simuladamente orgânica apenas para depois cobrarem pelo acesso a eles.

E trazendo para a vida real, qual o efeito nas pessoas, na sociedade? Clínicas de estética, lojas de varejo e operadoras financeiras passando do ponto. Como está a saúde mental das pessoas expostas a um mecanismo tão sofisticado de captura de atenção e exposição ao impacto? Crianças expostas a todo tipo de negócio, por meio dos jogos de vídeo game. Sorteios e jogos de azar correndo soltos nas redes. O Conar implica com a blogueira que não coloca #publi no post, mas e todo o resto? Quem vai atrás de entender o algoritmo e limitar sua silenciosa atuação em nossas telas e em nosso dia a dia?

Já passou da hora de a indústria abrir os olhos para o total descontrole do sistema, tendo como perspectiva os impactos da mecânica de mídia programática nas pessoas, no individuo, no mercado e na sociedade, e para a necessidade urgente de uma auto regulamentação. As empresas de mídia têm iniciativas tímidas e isoladas, alguns grupos independentes puxam essa conversa no mundo, mas não aqui, não estamos organizados para ter essa conversa.

O clique virou produto de atacado, não há mérito, crítica ou segurança no conteúdo que é colocado nas redes, criminosos literalmente se sustentam através de mentiras e negacionismo, e todos perdem com isso, menos a dúzia de empresas que vive de programar mídia, mas que parecem não se preocupar com o futuro da credibilidade de nossa mídia.

E nós, o que podemos fazer quanto a isso? Exigir informações, cuidado e consciência de onde se investe seu dinheiro de mídia, ou quem tá anunciando nas suas redes, cobrar das plataformas controle e cuidado sobre a segurança de conteúdo e dos dados dos usuários, construir práticas transparentes e proativas na direção de um futuro não só mais humano, como também mais humanista. “Não sois máquinas, homens é o que sois!”, quem precisa de algoritmo é computador, nós precisamos é da verdade.

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