Precisamos permanecer na sala
Tudo o que temos de fazer é tomar decisões, estabelecer novas regras, mudar os parâmetros, criar novos critérios de avaliação e reconhecimento, influenciar as leis, assumir posições
Tudo o que temos de fazer é tomar decisões, estabelecer novas regras, mudar os parâmetros, criar novos critérios de avaliação e reconhecimento, influenciar as leis, assumir posições
Segundo dados do World Bank Group, na década de 1980 o PIB mundial era de US$ 28 trilhões. Em 2016, este número triplicou para US$ 75,4 trilhões, um dado que comprova que a economia global é agora três vezes maior do que era há uma geração. Apesar desse crescimento, construímos um mundo ainda mais desigual. Para ter uma ideia, neste momento, oito pessoas detêm a riqueza de 3,6 bilhões de pessoas no mundo.
De um lado, crescimento desordenado, desigualdade social, desequilíbrio de recursos naturais, concentração de renda, crise de confiança. De outro, aceleração do desenvolvimento científico-tecnológico, resposta maker, colaboração, (des)intermediação, diversidade, ativismo. Nesse momento, as vozes do mundo falam da necessidade de revisão de valores e de modelos enquanto novas visões e novos jeitos de pensar e fazer já movimentam transformações nas famílias, na cultura, na política e nas corporações. Estamos vivendo a era da revisão dos modelos que, ao mesmo tempo, refletem e organizam o modo de vida dos indivíduos, da sociedade, das organizações governamentais e não governamentais, dos governos, da mídia e das corporações.
Entender os vetores, movimentos e expressões que, neste momento, estão impulsionando os processos de mudança nos diferentes sistemas é fundamental para que corporações e profissionais — interessados em rever seus papéis e desenhar os propósitos, valores, narrativas e as atitudes a partir das quais irão se movimentar daqui para frente — possam refletir e tomar as melhores decisões.
Denise Hills, superintendente de sustentabilidade do banco Itaú e diretora do Pacto Global no Brasil, em uma conversa que tivemos recentemente, sintetizou o que estamos vivendo agora em uma frase simples: “tudo se resume a output e outcome”. Em outras palavras, tudo se resume a olhar para nossos objetivos e metas pensando nas consequências, no impacto do que fazemos para alcançar os resultados desejados. Output e Outcome. Um pensamento simples que pede uma profunda mudança em nossa cultura de negócios.
Cada um de nós tem um papel a exercer no caminho para que as mudanças aconteçam mais rapidamente gerando o menor dano possível
Somos viciados em definir e superar metas independentes do impacto. Aprendemos que precisamos chegar, mas não aprendemos a questionar o caminho. Alcançar o resultado, ou melhor, suplantá-lo, sempre foi indicador de sucesso suficiente. Executivos foram valorizados no mundo inteiro pelo cumprimento de metas de resultado, quase sempre financeiras, graças a iniciativas onde as consequências jamais estiveram em discussão. A que consequências me refiro? Exploração de mão de obra, trabalho infantil, uso de defensivos tóxicos, uso de ingredientes que estimulam a insaciedade e provocam obesidade e diabetes, destruição de florestas, produção irresponsável de lixo, poluição dos mares, construção de mensagens que alimentam discriminação e preconceito, assédio, corrupção.
Vamos para um exemplo recente: em fevereiro de 2018 o banco Wells Fargo foi punido pela Federal Reserve por um caso que revelou o impacto de um programa de incentivo a vendas cruzadas desenvolvido com o objetivo de aumentar a receita. No programa, os funcionários eram estimulados a cumprir metas de vendas que lhes trariam reconhecimento profissional por meio do resultado financeiro. O output era claro e simples: mais vendas cruzadas, mais receita, mais reconhecimento financeiro, mais reconhecimento profissional. Para atingir as metas (output), sem pensar nas consequências para si mesmos e para o outro, os funcionários fabricaram contas falsas em nome de clientes do banco. A tática adotada pelos funcionários gerou prejuízo para todos os envolvidos mas, antes de ser descoberta, o que demorou anos para acontecer, superou o resultado financeiro desejado. Após denúncias e muita discussão, na tentativa de corrigir o problema, a empresa demitiu 5,3 mil funcionários e perdeu seu CEO, John Stumpf. A Wells Fargo não tinha controles adequados para detectar as contas falsas porque jamais considerou as consequências com as quais teve de lidar. Além disso, durante o processo, cometeu vários erros incluindo não reconhecer publicamente o problema. Desde que foi descoberto, esse caso tem sido discutido por vários motivos, o principal deles: a escala. Não se tratava de um grupo de executivos desenvolvendo atividades ilícitas. Milhares de funcionários estavam envolvidos, provavelmente acreditando que estavam jogando o jogo como ele deveria ser jogado. As palavras de Mark Pastin, presidente do Council of Ethical Organizations, exemplifica bem que tudo se resume a output e outcome: “Quando as organizações pensam em criar uma cultura ética, elas quase sempre ignoram o sistema de recompensas da organização. Elas imprimem códigos de conduta, exigem treinamento e estabelecem linhas diretas de ética. Mas se você está recompensando as coisas erradas, você terá como consequência os comportamentos errados.” Sistemas de recompensa são sinalizadores claros da existência ou não de uma preocupação real com o impacto. Não existem dúvidas. Estamos em meio a um grande processo de transformação.
O encontro entre a aceleração do desenvolvimento tecnológico e científico, a crise humanitária e ambiental e a corrupção deixam claro que antigos modelos não são mais capazes de responder às necessidades e estão promovendo uma nova consciência e uma mudança no papel das organizações, uma constatação que pede grandes revisões, duas delas já conseguimos ver claramente:
∙ Um novo olhar para os critérios de decisão: construir valor para sócios e acionistas como meta única e independente de eventuais danos causados pelo caminho por muito tempo definiu a forma de agir dos negócios. Junto com essa visão, um mundo que por décadas se transformou lentamente, exigindo pouca adaptação das empresas, terminou por definir verdades e critérios de tomada de decisão que agora começam a ser criticados, questionados e tendem a ser obrigatoriamente revistos
∙ A interconexão dos sistemas: incertezas constantes transformaram a volatilidade em norma e tornaram urgente o entendimento de que estamos lidando com problemas sistêmicos, com mais ramificações, causas e efeitos do que somos capazes de enxergar a primeira vista e do que somos capazes de resolver isolando fatores. Cenários e problemas complexos exigem o reconhecimento da interconexão existente e necessária entre os sistemas que sustentam o mundo. Uma consciência que pede que as organizações assumam seu lugar de corresponsáveis por tudo que influencia o destino das pessoas, da sociedade e do planeta.
Neste momento, não podemos sair da sala. A realidade está colocada, a discussão está aberta, decisões importantes precisam ser tomadas e implementadas e avaliações de impacto (outcome) precisam estar no centro de tudo. Sabemos estabelecer metas e sabemos gerar resultados quando o impacto não é uma preocupação que está sendo considerada, monitorada, medida. É tão certo que podemos ir para um lugar melhor quanto é certo que cada um de nós tem um papel a exercer no caminho para que as mudanças aconteçam mais rapidamente gerando o menor dano possível. Durante uma reunião com CEOs de diferentes corporações ouvi alguém dizer: tudo o que temos de fazer é dar espaço para que as novas gerações atuem. Não é verdade. Tudo o que temos de fazer é tomar decisões, estabelecer novas regras, mudar os parâmetros, criar novos critérios de avaliação e reconhecimento, influenciar as leis, assumir posições. Os líderes de agora precisam se transformar na referência de crenças, valores e atos que as novas gerações merecem. Não há tempo a perder. O mundo precisa que isso seja feito agora.
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