Propósito sem legado é bullshit
Nos últimos anos, assistimos à explosão do propósito de marca como “must have” do mercado e nessa correria, muitos trocaram os pés pelas mãos
Nos últimos anos, assistimos à explosão do propósito de marca como “must have” do mercado e nessa correria, muitos trocaram os pés pelas mãos
20 de setembro de 2021 - 14h03
Em um mundo (pós) pandêmico, as marcas estão sendo cada vez mais cobradas. Pra onde quer que se olhe, seja em qual for a pesquisa ou mapeamento de tendências, todos sinalizam que as pessoas esperam cada vez mais das empresas a resolução dos principais problemas da sociedade. No Brasil, segundo os resultados do Trust Barometer 2021, as pessoas não esperam e nem confiam que os governos, as ONGs ou a mídia cumprirão esse papel. Depositam os anseios mais profundos da sociedade nas corporações. Tudo isso, de alguma forma, está fazendo com que a “era do propósito” das marcas seja colocada à prova de uma forma visceral.
Nos últimos anos, assistimos à explosão do propósito de marca como “must have” do mercado, ganhando o mainstream e sendo exigido em nove a cada dez briefings. Todas as marcas correram para definir um propósito e repeti-lo de forma mecanizada por todo lado. Nessa correria, muitos trocaram os pés pelas mãos. Saíram pegando tudo que estava ao alcance para pendurar na parede e nos anúncios como se fosse um propósito de marca: slogans de campanha, frases de efeito, texto da visão, uma ajeitadinha na missão e voilà. “Fulano, pede logo pra agência de propaganda propor uma lista com 10 frases legais pra gente escolher urgente uma pra ser o nosso propósito”. Esse é o risco que se corre com tudo que fica muito popular e vira moda: pode perder a sua essência. E a ferramenta em si acaba sendo penalizada por usos indevidos em planejamentos ocos e baseados apenas em discursos vazios, sem atitudes reais, que acabam por difamar a estratégia de uso do propósito como um todo. Em muitos casos, até pela forma improvisada de definição e uso, acabam não gerando os resultados e terminam por serem colocados de lado, para que se possa correr atrás da próxima modinha do mercado.
Mas o propósito elevado de marca é muito mais do que isso. Trata-se de um dos mais poderosos alicerces da razão de existir daquela empresa na sociedade. Muito mais do que uma ferramenta de marketing e de construção de marca, estamos falando de uma forma de compreender-se no mundo e de compactuar suas crenças e valores mais profundos com as pessoas e com a sociedade. Quando bem desvendado e bem defendido, com consistência no tempo e no discurso, funciona como um cataclisma de energia positiva que cria um campo magnético em torno da marca.
E agora, a pandemia trouxe um senso de urgência ainda maior. Mesmo que você consiga desvendar, definir e defender o seu propósito mais elevado de marca de uma forma bem executada, com sucesso, isso em si não é mais suficiente. Mais do que nunca, as marcas não mais conseguirão se esconder atrás de frases de efeito bem formuladas. O propósito não poderá mais ser usado como um escudo e sim deve ser uma ponta-de-lança. É preciso transformá-lo em ações efetivas, dar vida, concretude. De discursos bonitos, porém ocos, para ações, muitas vezes duras, mas profundas. Atitudes que gerem real impacto positivo elevado tanto dentro como fora das corporações, no que vem sendo chamado de “Brand Activism” ou “Ativismo de Marca”. E isso por meio da sua própria cadeia de valor e não apenas patrocinando “meia dúzia” de projetos socioambientais para “limpar a sua barra”. Você precisa de fato fazer escolhas e posicionar-se claramente a respeito das causas mais urgentes da sociedade. Fazer valer a razão pela qual você diz existir no mundo.
As marcas podem mudar a sociedade de uma forma mais ágil do que os governos. E devem fazê-lo. Para assumir a responsabilidade pelos impactos negativos que geram, por terem musculatura e fôlego estrutural e financeiro para tal, e ainda pelo poder mobilizador que podem empenhar para influenciar pessoas e as engrenagens da sociedade como um todo. Thomas Kolster, em seu novo “The Hero Trap”, acredita que as marcas devem fazer um movimento do “porquê” a organização importa para o mundo para um entendimento de como ela pode ajudar as pessoas a conseguirem alcançar quem elas querem ser para o mundo. Isso quer dizer colocar efetivamente em prática o propósito elevado comungado com as pessoas a serviço não apenas dela, marca, mas a serviço da sociedade e dos serumaninhos que vivem suas vidas lá fora. Além de serem em si exemplos atitudinais do que acreditam, por meio de ações efetivas e não apenas bullshit, as marcas devem mobilizar as pessoas a serem agentes efetivos dessas mesmas crenças e valores nas quais acreditam juntas, marca e pessoas. De uma forma inteiramente humana, autêntica, verdadeira e visceral.
*Crédito da foto no topo: Ajwad Creative/iStock
Compartilhe
Veja também