Protagonismo local
Estafa no modelo de gestão financista das grandes holdings globais da publicidade fortalece agências independentes e abre espaços nos grandes grupos para negócios e arranjos societários alternativos
Estafa no modelo de gestão financista das grandes holdings globais da publicidade fortalece agências independentes e abre espaços nos grandes grupos para negócios e arranjos societários alternativos
O relacionamento entre executivos que lideram grandes agências atuantes no Brasil e as maiores holdings globais de publicidade passa por uma reconfiguração. Depois de duas décadas nas quais o mercado brasileiro se internacionalizou, com quase todas as empresas de melhor reputação criativa tendo seus controles acionários assumidos por multinacionais, há sinais de estafa no modelo de gestão vigente, mantido com forte viés econômico, consolidação de empresas via fusões e decisões tomadas com o olho no sobe e desce das ações em bolsas.
Neste contexto, os expoentes da atividade no País, que, na segunda metade do século 20, eram donos de seus negócios, mantinham participações acionárias mais relevantes ou liderança mais combativa, foram substituídos por executivos com poderes limitados, que, muitas vezes, se ressentem dos métodos, da burocracia e da falta de agilidade de algumas estruturas globais.
A reconfiguração ocorre em duas vertentes principais: o fortalecimento das agências independentes e a abertura dentro das holdings para negócios alternativos, como a montagem de butiques criativas ou estruturas exclusivas para atender grandes contas. No Brasil, entre os principais exemplos recentes dessa movimentação estão a cisão na DPZ&T que originou a Galeria, no ano passado, quando um grupo liderado por Eduardo Simon deixou a agência do Publicis Groupe para abrir a empresa independente, levando consigo três clientes de peso: Itaú, McDonald’s e Natura; e o lançamento, em abril, da Aldeiah, sociedade entre o Interpublic e Hugo Rodrigues, chairman da WMcCann, para atender o Bradesco.
Reportagem de Meio & Mensagem revela o que pode ser uma nova e importante investida no ganho de participação dos publicitários brasileiros na gestão de grandes agências no mercado local: os copresidentes Sergio Gordilho e Marcio Santoro renegociam com o Omnicom a divisão acionária da Africa.
Cada um com suas peculiaridades, esses movimentos comprovam que mesmo com a internacionalização das agências, as relações pessoais locais se sobressaem aos acordos globais. As mudanças no Brasil têm paralelo internacional. “Hoje, não se trata mais de grandes redes, mas de relações interpessoais. E quanto mais íntima a relação, melhor. Essa é uma tendência que vai perdurar”, diz Bruno Bertelli, CCO global da Publicis Worldwide, em entrevista publicada por Meio & Mensagem na edição anterior. Para ele, “agências grandes têm de se reinventar porque são todas muito parecidas”.
Após o ostensivo ganho de terreno pelas multinacionais, nos últimos anos, o foco da presença dos grupos globais no Brasil parece ter mudado da compra de share para a otimização de recursos. A década de avanço mais veloz das holdings no mercado nacional tem dois marcos emblemáticos, sendo o ápice final justamente a aquisição de 100% do Grupo ABC pelo Omnicom, em 2015, movimento que tornou a Africa controlada pelo capital internacional. O ponto inicial, em 2007, é a venda da AgênciaClick para a rede Isobar, da Aegis, posteriormente adquirida pela Dentsu.
Ao contrário do que acontecia antes, com ocorrências mais esparsas, nesse intervalo houve praticamente um grande negócio por ano, sendo que os mais importantes foram as vendas da Lew’Lara (2007), Z+ (2008), W/Brasil (2010), DPZ e Fbiz (2011), Neogama (2012), Talent (2013), NBS (2014) e Taterka (2015). Com isso, a configuração no topo do mercado brasileiro mudou totalmente. De acordo com o ranking do Cenp-Meios, há apenas sete agências controladas pelo capital nacional entre as 30 primeiras: Artplan, Propeg, Suno, Nova/SB, We, Calia e Z515.
Entre os desafios que os grupos globais têm pela frente estão a descomoditização das redes de agências, que ficaram muito padronizadas; a batalha pela retenção de talentos, especialmente os mais jovens, normalmente refratários ao estilo mais burocrático e engessado das holdings — algo que possa se contrapor ao The Great Resignation, a onda de pedidos de demissão por gente insatisfeita com os modelos vigentes, especialmente em grandes empresas; e a manutenção de times executivos que preservem as características empreendedoras que construíram o mercado brasileiro, antes que eles resolvam caminhar com as próprias pernas.
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