Publicidade: a bolha é um direito das crianças
A proteção infantil frente ao mercado publicitário visa a construção de cidadãos mais críticos e uma sociedade mais saudável
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Alguns nichos do mercado publicitário parecem não se conformar com o fato de que a legislação brasileira restringe a propaganda comercial destinada ao público infantil. Sustentam serem detentores do direito de fazer campanhas para convencer pessoas da mais tenra idade a desejar produtos e serviços. Argumentam que cercear atividade publicitária diante do público infantil é uma forma de violar a liberdade de expressão. Talvez, algo ainda mais horrendo: uma prática de censura.
Juridicamente, a proteção jurídica das crianças frente ao mercado publicitário decorre do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Defesa do Consumidor, atos infralegais, como resolução 163/14 da Conanda, e Convenção dos Direitos da Criança firmada pelo Brasil. Tais normas consideram os infantes merecedores de prioridade absoluta nas políticas públicas. Em razão dessa condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento, as crianças carecem de cuidado e proteção da família, do Estado, e da sociedade civil, inclusive das empresas. Possuem o direito de brincar, de receber afeto, de fantasiar, de aprender, do convívio comunitário e de não se preocupar com os compromissos da vida adulta.
Especificamente quanto ao Código de Defesa do Consumidor, para demonstrar a abusividade da publicidade voltada às crianças, parece desnecessário exigir a comprovação de que a publicidade explora, de maneira maliciosa, sua inocência e capacidade de julgamento.
As campanhas que não abusam propositalmente da pouca experiência das pessoas da primeira idade possuem, a nosso ver, o mesmo objetivo de provocar o desejo do consumo, pois não há campanha que seja desinteressada, uma vez que ao menos efetuam divulgação institucional da marca. Todas elas, em alguma medida, querem moldar presentes e futuros consumidores.
Em determinados casos, entendemos que o abuso da ação mercadológica é presumido, a exemplo do uso de personagens presentes em desenhos infantis nas embalagens de alimentos ultraprocessados, dos espaços lúdicos para crianças em restaurantes vendedores de alimentos pouco nutritivos, da divulgação de produtos e serviços por intermédio de youtubers mirins e ações de marketing dentro de escolas públicas e privadas.Assim, a solução da questão não passa por verificar a intencionalidade da estratégia de venda; uma vez que as crianças têm o direito de não serem expostas à publicidade que procure dialogar diretamente com elas. Com efeito, releva enfatizar que os direitos das crianças não devem ser encarados como entrave ao desenvolvimento dos negócios, mas sim elementos que possibilitam a construção de cidadãos mais críticos e uma sociedade mais saudável.
Com esse propósito em mente, se for necessário criar uma bolha em torno das crianças frente ao mercado publicitário, para preservá-las diante do assédio mercadológico, que as considera consumidores em potencial, teríamos um grande avanço em termos civilizatórios. Tal objetivo, contudo, dificilmente será atingido sem que as agências, marcas e veículos de comunicação reconsiderem as suas estratégias de venda e passem a dialogar com os pais ou responsáveis das crianças, mediadores necessários desse processo.
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