2 de maio de 2018 - 13h08
Um princípio básico da Economia é quando a oferta de alguma coisa aumenta, seu preço cai. Pense na internet: seu impacto na verdade foi o de reduzir os custos da distribuição, comunicação e busca de informação. Ao tornar isso “barato”, ela desestabilizou milhares de negócios que se aproveitavam da estrutura tecnológica anterior (por exemplo, os meios de comunicação de massa), mas que tinham uma estrutura de custos ajustada para um nível de escassez mais alto (por exemplo, as grandes holdings de publicidade?). Ao mesmo tempo, ela criou milhares de outras oportunidades que não seriam viáveis por conta da estrutura de custos anterior (por exemplo, os “influencers”).
E o que vai acontecer quando a “escassez” de inteligência não for mais um problema? Este é o ponto de partida de Prediction Machines: the Simple Economic Impact of Artificial Intelligence, de autoria de três professores ligados ao Laboratório de Destruição Criativa da Universidade de Toronto. A resposta é que o impacto não será sentido porque a “inteligência ficou mais barata” (aliás, o livro explica de maneira muito didática as diferenças entre métodos estatísticos, automação e machine learning), mas sim porque as tecnologias de Inteligência Artificial vão baratear o custo de fazer previsões corretas — por exemplo, se aquela mancha na sua pele vai se transformar ou não em um melanoma.
O componente fundamental do planejamento de uma campanha passa a ser a capacidade de avaliar a relação entre capturar mais dados, tornar as previsões mais acuradas e aumentar a criação de valor para o cliente. Isso exige pensamento crítico, que anda de mãos dadas com a criatividade
Previsões são um processo no qual a partir de informações disponíveis (por exemplo, dados) geramos informações que não temos (por exemplo, qual a demanda por nosso produto ou serviço no ano que vem). Uma vez que previsões são fundamentais na redução da incerteza, isso vai afetar diversas atividades relacionadas à tomada de decisão. Uma questão interessante é a de que, na medida em que estas previsões sobre o comportamento do consumidor vão ficando cada vez mais acuradas, os anunciantes terão capacidade de antecipar nossas necessidades de forma cada vez mais precisa — e na medida em que isto fica mais barato, o custo da publicidade no formato tradicional vai parecer cada vez mais caro, pelo menos em termos relativos (nota de rodapé: em 2014 a Amazon patenteou um sistema de “envio antecipado” que faz exatamente isso.
A redução destes custos vai permitir também um aumento do valor das chamadas complementaridades, ou seja, insumos e produtos utilizados no processo. Por exemplo, fotos postadas na mídia social poderão ter valor para melhorar produtos e serviços — o exemplo mais inusitado que vi nos últimos tempos foi o de uma franquia de restaurantes no Japão que usa fotos postadas na mídia social para identificar quais restaurantes estão servindo os pratos de forma adequada com uma acurácia de 95%. Imagine isso aplicado para o reconhecimento das marcas presentes na casa, escritório ou trajeto do consumidor do seu cliente (o custo do serviço, oferecido pelo Google, é de US$ 300 por ano). Raciocínio similar pode ser aplicado para o crescimento das plataformas de voz (Alexa, Siri, etc)
Em tempos tão turbulentos para as holdings de publicidade, como isso impacta nosso setor? Certamente, de maneiras que ainda não compreendemos totalmente, da mesma forma que quando o iPhone foi lançado ninguém previu como ele transformaria o mercado para os táxis. Do ponto de vista econômico, é claro que as atividades mais vulneráveis são aquelas em que a substituição pela inteligência artificial apresenta os maiores retornos. No nosso caso, podemos pensar na pesquisa de mercado, planejamento de mídia e análise dos resultados das campanhas. Curiosamente, sob este ponto de vista, faz todo sentido para um grande anunciante internalizar boa parte das tarefas de uma agência: ele geralmente tem mais dados (e mais expertise de tecnologia da informação) para alimentar sistemas de inteligência artificial para aumentar o retorno sobre seu investimento em comunicação, seja por meio de aumento de vendas ou diminuição de gastos. O mesmo raciocínio não vale (ainda) para anunciantes de médio porte, mais isso é questão de tempo.
O componente fundamental do planejamento de uma campanha passa a ser então a capacidade de avaliar a relação entre capturar mais dados, tornar as previsões mais acuradas e aumentar a criação de valor para o cliente. Isso exige pensamento crítico, capacidade de atribuir valor para uma determinada ação ou apelo. E o pensamento crítico anda de mãos dadas com a criatividade. Parafraseando o pai da Economia da Informação, Herbert Simon (“a abundância da informação gera a escassez da atenção”), a abundância da Inteligência Artificial gera a escassez do pensamento crítico e da criatividade. A questão é saber se o fluxo de caixa das holdings sustenta o modelo atual enquanto esta nova realidade não chega.
*Crédito da imagem no topo: urban1600/iStock