Pule de dez*
Agora, qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento de análise de dados e estruturas de programação pode encontrar novos padrões e testar hipóteses
Agora, qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento de análise de dados e estruturas de programação pode encontrar novos padrões e testar hipóteses
A inteligência artificial pode ajudar as empresas a encontrarem incongruências entre o que o indivíduo diz e o que ele faz?
O tema é um velho conhecido de quem trabalha com pesquisa de mercado: a diferença entre comportamento declarado e comportamento observado. Recentemente, pude participar de uma banca de mestrado profissional na Fundação Getúlio Vargas que procurou aplicar essa questão sobre um público e tema muito específicos: investidores de venture capital (VC) e investimentos em startups. O resultado ajuda a colocar lenha em uma velha discussão no setor: o que importa mais é o “jóquei” (o time de fundadores) ou o cavalo (o modelo de negócios) e a pista (o mercado)?
Robson Takayanagui, aluno da GV e executivo com larga experiência no mercado digital (iG, UOL, Semantix, Kunumi), entrevistou sócios e gestores de diversas empresas de venture, identificando as principais variáveis declaradas para decisão de investimento em startups (aqui e no exterior), e depois fez uma análise com diversas técnicas de machine learning sobre uma base de mais de 206 mil operações em 114 mil empresas registradas no CrunchBase (www.crunchbase.com), uma plataforma de dados de investimentos, fusões, aquisições e fundadores de empresas dos mais variados setores e países.
Para encurtar uma longa história (em breve o trabalho estará disponível em formato digital no site da biblioteca da FGV), o discurso dos investidores privilegia a importância dos “jóqueis” (o time de fundadores), mas na prática são menos importantes que as variáveis relacionadas ao modelo de negócios (ramo de atividade e localização geográfica) e principalmente ao comportamento do próprio ciclo de investimentos: tempo transcorrido entre a fundação da empresa (early stage) e a primeira captação institucional (“Séries A”), o volume total de investimento inicial e o “prestígio” dos demais investidores (uma espécie de “sinal” para a comunidade de VCs). Um recado para nosso setor: em termos da capacidade de atrair investimentos, ser uma startup de marketing ou comunicação é pior que estar nos segmentos de varejo, logística e finanças.
Embora desperte muitas outras discussões interessantes (diferenças por país/setor de atividade/taxa de juros da economia em geral etc.) o trabalho ajuda a demonstrar o enorme potencial da aplicação de análises preditivas e descritivas de machine learning sobre bases de dados de comportamento (por exemplo, volume de vendas por dia após uma promoção, campanha ou mudança de embalagem/localização na loja, variáveis metereológicas etc.) versus as pesquisas baseadas em declarações ou intenções.
Muitas dessas bases estão “catatônicas” nos arquivos ou sistemas da sua empresa ou cliente. Mas até pouco tempo sua “mineração” era um trabalho caro, demorado e muitas vezes inconclusivo. A redução dos custos de aplicação das técnicas de inteligência artificial, combinada com a maior facilidade de uso (hoje já existem programas que permitem criar algoritmos mesmo sem conhecer nada de linguagem de programação) vai permitir que estes registros se transformem em novas fontes de informação e principalmente de questionamentos sobre o comportamento dos consumidores. Sei que muita gente pode alegar que sua organização já faz isso desde os anos 1990, mas antes esse acesso dependia fundamentalmente da boa vontade e disponibilidade de recursos da área de tecnologia. Agora, qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento de análise de dados e estruturas de programação pode encontrar novos padrões e testar hipóteses – há uma década os estudos sobre a principais variáveis na decisão de investimento de venture capital englobavam quando muito algumas dezenas de empresas e transações.
A principal influência desta disseminação de conhecimento será a elaboração de novas hipóteses sobre o processo de compra e decisão, com impactos diretos tanto em termos de distribuição e ponto de venda quanto de comunicação. Atributos até então “ocultos” talvez se mostrem mais relevantes do que o discurso sobre o comportamento do consumidor, obrigando as áreas de marketing e produto a reverem alguns de seus dogmas. As incongruências entre o que se diz e o que se faz serão uma grande fonte de insights em termos de novas “sacadas” de comunicação ou mesmo posicionamento de marcas. Mas esta percepção virá de quem tem conhecimento de marketing e publicidade, e não de tecnologia. E pode se constituir em um fator de revitalização ou mesmo de inovação na comunicação de algumas marcas. Certamente teremos algumas surpresas “atropelando” na corrida pela atenção do consumidor!
(*) Expressão no turfe quando um cavalo é muito superior aos demais e sua vitória é tida como certa.
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