Qual relação entre gatos, gambás, os espaços de comentários e as agressões na internet?
Migramos de uma conversa inicialmente colaborativa para uma comunicação performática em processo acelerado pelas redes sociais e sua descentralização
Qual relação entre gatos, gambás, os espaços de comentários e as agressões na internet?
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Você está andando na rua e se depara com um cartaz: Gato encontrado! Caso seja seu, por favor, me ligue. Bom, até aí algo que infelizmente acontece todo dia. Um estudo recente da Mars revela que 25% dos cães e gatos no Brasil estão abandonados ou perdidos. No entanto, nesse caso específico, algo estranho lhe chama atenção. Na foto, ao invés de um gato, lá está um belo de um gambá.
E aí? Você liga para o suposto desavisado que ele está trocando as bolas? Faz uma foto e posta no Instagram com a hashtag #quemnunca? Ou simplesmente segue em frente? Afinal, os boletos não dão tempo para essas distrações. Jessica Lee Williamson pode dizer algo a esse respeito. Aliás, no podcast This American Life ela contou sua experiência para Ira Glass há alguns anos.
Inspirada por um desses cartazes sobre pet encontrado, Jessica achou divertida a ideia de espalhar uma mensagem no seu bairro onde dizia ter encontrado um gato, usando a foto de um gambá. Seria um inusitado experimento social e, surpreendentemente, foi mesmo.
Muitos, de boa vontade, ligaram para alertá-la que o bicho encontrado era um animal silvestre, fazendo recomendações a respeito de como proceder. Outros, em proporção bem menor, entraram na brincadeira, dizendo que o gambá era deles. Por fim, uma minoria despendeu tempo para ofendê-la. Essa amostra aleatória abre um ponto interessante para falarmos sobre o design das conversas que temos hoje, sobretudo nos meios digitais.
Para pegar um exemplo recente, a colunista Mariliz Pereira Jorge defendeu a ideia de que o espaço de comentário da Folha de S.Paulo deveria ser extinto por não ter dado certo. O fato é que muitas trocas que lá acontecem não têm relação direta com o texto em questão, descambando para um fla-flu de opiniões no scroll infinito. Mas esse desvirtuar não parece ser uma particularidade do site do jornal, talvez esteja no design de como as plataformas estabelecem o funcionamento das conversas atuais.
Durante uma pesquisa que fiz sobre desinformação, acessei alguns grupos nas redes com temas não muito usuais, como “Terra Plana” por exemplo, e notava que algumas trocas que lá aconteciam não eram necessariamente sobre astronomia, falavam de tópicos bem dissociados ao tema central. Era um movimento de promoção de identidades.
De uma forma geral, observamos essa mudança no padrão de comentários na web que em seus primórdios trabalhava suas interações mais com a dinâmica de fóruns colaborativos. Com as redes sociais, o espaço interativo começou a se descentralizar e, ao invés de comentários em torno de um núcleo, passamos a falar de tudo em todos os lugares.
Nessa transição, migramos de uma conversa inicialmente colaborativa para uma comunicação performática. A interação digital vai deixando de ser predominantemente informativa e passa a envolver aspectos de autoexpressão e construção de identidade, a professora, Sherry Turkle, já destacou isso em seus trabalhos.
Isso parece refletir uma questão maior. Na animação WiFi Ralph: Quebrando a Internet, de 2018, quando o personagem principal entra na sala de uma plataforma de vídeos (referência clara ao YouTube), ele é alertado para não visitar a seção de comentários. Quem assistiu sabe o arrependimento de Ralph ao não seguir esse conselho, uma vez que lá as ofensas imperam. Curioso ser também em ambientes assim onde encontramos maneiras para resolvermos uma diversa gama de problemas com interações que colaboram na expansão daquele conhecimento.
A essa altura do texto, eu já deveria estar mirando em uma resposta à pergunta-título deste artigo, mas, tudo que tenho são mais perguntas. Apesar das inúmeras possibilidades e da existência de muitos canais favoráveis a uma troca construtiva, por que notamos ambientes viciados em um certo padrão autodestrutivo? Por que o exercício de discordar tem se tornado cada vez mais complicado, principalmente nos meios digitais?
Por fim, por que o número de pessoas ligando para avisar que o gato na verdade é um gambá, ou simplesmente se entretendo com a brincadeira, em alguns lugares da internet, parece ser menor do que o número de pessoas agredindo ou ofendendo? Será que, como Gilberto Gil já embalava em 1996, a gente ainda sabe entrar na rede, promover um debate e, juntar via Internet, um grupo de tietes de Connecticut?
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