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Opinião

Quem diria: são as máquinas que estão nos (re)humanizando

Na medida em que o processo de digitalização das relações aumentava, mas será mesmo que é a tecnologia que está se humanizando?


3 de maio de 2023 - 6h00

Arte de Carolina Toledo Marques Teixeira e Beatriz Sourbeck Bon

(Crédito: Carolina Toledo Marques Teixeira e Beatriz Sourbeck Bon/Reprodução)

Como professora e consultora de marketing, além de pesquisadora acadêmica, notei há alguns anos, mesmo antes da pandemia, que vínhamos perdendo ou desvalorizando algumas habilidades essencialmente humanas e extremamente necessárias ao bom andamento de pesquisas de qualquer natureza. Não só útil às pesquisas, mas à vida social.

Quando estava em sala de aula e explicava que uma entrevista em profundidade deveria durar ao menos 30 minutos, alguns olhos se arregalavam. Depois de repetidas reações como essa em diversas turmas, notei que muitas pessoas não sabiam mais conversar. Estavam se sentindo incapazes de estabelecer um diálogo interessante e interessado com uma pessoa que não fosse de seu ciclo de amizade, pelo tempo que fosse.

Em alguns casos era a falta de interesse pelo outro a causa dessa inabilidade. Isso porque num mundo que exacerba o individualismo e as câmeras de eco das bolhas digitais, não se consegue enxergar nada que não seja si mesmo. Além disso, para manter uma conversa fluindo, é preciso organizar perguntas que partam de um contexto. Mas na velocidade e imediatismo dos dias atuais, onde cabe tempo para contextualizar? E tem mais. Sem curiosidade para expandir conhecimento, também não há espaço para construção e ampliação de repertório. Somam-se todos estes fatores e nos deparamos com uma sociedade à beira da desumanização. Por ser a conversa, a comunicação, o diálogo, a base da interação social.

Na medida em que o processo de digitalização das relações aumentava, mais se falava nas empresas sobre a humanização da tecnologia. Mas será mesmo que é a tecnologia que está se humanizando? Ou fomos nós que perdemos a nossa humanidade?

Hoje não se fala em outra coisa: o desenvolvimento e adoção acelerados de processos de trabalho baseados em inteligência artificial. Temática ao mesmo tempo apaixonante e preocupante é um convite para sermos humanos.

Foi necessário que a convivência com o que é inteligente, mas é artificial, fosse capaz de nos provocar a necessidade de resgatar habilidades esquecidas por nós. Como a capacidade de fazer perguntas, conversar, construir repertório, estar atento ao contexto, ser curioso e capaz de se aprofundar a partir de um crescente interesse.

Principalmente no caso das IAs generativas acionadas por linguagem natural, o uso é potencializado a partir de perguntas bem estruturadas. Para estruturar boas perguntas, se faz necessário ter repertório, de onde extrair e combinar informações que sejam matéria-prima para questionamentos eficazes. E considerar o contexto em que se pergunta. O contexto sempre importou, mas vínhamos nos esquecendo disso ultimamente.

Além disso, para conversar – mesmo que com uma máquina – é preciso estar atento ao que é respondido, interpretar e compreender o que foi dito e construir novas perguntas a partir do que foi respondido, refinando o conhecimento e o interesse pelo tema. Para conversar é preciso se interessar pelo outro, aquele que viabiliza o diálogo. Mesmo que este seja automatizado e digital.
E para fazer perguntas é preciso ser curioso. É a curiosidade que guia os nossos interesses. E que, como num ciclo virtuoso, nos permite ampliar nosso repertório, nos preparando de forma mais eficaz para novas conversas.

Aos que buscam na inteligência artificial apenas o raso e superficial, a resposta supostamente pronta e fácil de obter, desculpem, mas estão sendo muito pouco inteligentes. Para usos que priorizem esses aspectos, a inteligência artificial irá nos substituir.

Sejamos, de fato, inteligentes, e vamos somar esforços homem-máquina, potencializando o melhor dos dois mundos. Faça uma espécie de grupo de estudos com o Chat GPT e afins.

Como pesquisadora, de mercado e da academia, sei que as perguntas guiam as nossas maiores conquistas e descobertas. E que para elaborá-las é preciso ser curioso, ter repertório e ter interesse em prestar atenção ao que foi respondido, para manter uma conversa produtiva e atenta ao contexto. E como consultora, sempre afirmo: toda venda começa com uma boa conversa. E boas conversas começam com perguntas interessantes e escuta atenta ao que o outro tem a dizer.
E então, pronto para (re) humanizar-se com as máquinas?

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