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Opinião

Quem financia os jornais?

Maior peso da circulação na receita dos publishers e valorização da credibilidade dos diários ante a onda de fake news não tiram meio da crise, mas abrem novos horizontes


24 de abril de 2017 - 15h19

“Nós não vamos pagar nada”, dizem os versos de Raul Seixas (e de seu parceiro Claudio Roberto) regravados pelos Titãs e usados no ano 2000 como trilha de uma das campanhas de lançamento do provedor e portal iG, sigla que à época significava internet grátis. Foi um momento emblemático em que diversos movimentos acenavam a um futuro no qual a conexão e o acesso ao conteúdo seriam gratuitos, num modelo de negócios então já consagrado pelo rádio e pela TV aberta, meios ainda financiados quase que totalmente pela publicidade.

Crédito: ConstantinosZ-iStock

Crédito: ConstantinosZ-iStock

Dezessete anos depois, sabemos que as mídias mais prejudicadas pela ascensão da internet foram as impressas, justamente aquelas que mesclam faturamento gerado pelos leitores e pelos anunciantes. Paralelamente à perda de dinheiro, tanto com publicidade quanto com circulação, houve um efeito colateral significativo no composto das receitas dos jornais: uma inversão na qual cresce o peso dos leitores pagantes e cai o dos anunciantes.

Interessados em saber como essa tendência global está se materializando no Brasil, destacamos a jornalista Teresa Levin para checagens nas últimas semanas junto aos principais players do mercado de jornais. O levantamento, que mostra que os diários brasileiros são cada vez mais financiados pelos seus leitores, está publicado na edição desta semana de Meio & Mensagem, disponível nas versões impressa (para assinantes) e digital (para tablets iOS e Android).

No maior jornal do Brasil, a Folha de S.Paulo, a principal fatia do faturamento já vem das assinaturas e vendas avulsas. O exemplo de O Globo é emblemático: a participação da circulação era de 35% em 2012, subiu para 40% em 2015 e entrou em 2017 com índice de 45%. Em O Estado de S.Paulo, o share do pagamento dos leitores no faturamento total subiu de 30% em 2013 para 45% em 2016.

Não há crescimento na receita, mas uma alteração de financiador principal que ocorre em paralelo a outra mudança importante no hábito de leitura dos jornais: em agosto do ano passado, a Folha de S.Paulo foi o primeiro título brasileiro a somar mais assinantes na versão digital do que na impressa, em movimento também seguido por outros grandes diários, como O Globo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora. Uma demonstração de acerto do modelo paywall, que limita a degustação gratuita e se mostra um estímulo para a aquisição de assinaturas digitais.

Além disso, constata-se que a maioria dos leitores digitais acessa os jornais via smartphones — o que impõe novos desafios para o meio e nutre iniciativas como a do GRPCom que, a partir de junho, transformará o diário Gazeta do Povo (jornal mais antigo em circulação no Paraná) em revista semanal, centrando esforços na mídia mobile.

Para muitos analistas, a onda das fake news e a era da pós-verdade são uma chance de ouro para o jornalismo que ainda tem nas marcas de mídia nativas impressas um porto seguro de confiabilidade — não inventaram nada melhor do que bom jornalismo para separar fato de boato

O pagamento para acesso completo ao conteúdo produzido pelas empresas jornalísticas, em diversas plataformas, avança em um momento bem diferente daquele do “é tudo free” do início do milênio. Ocorre concomitantemente à consolidação de negócios dos serviços de streaming, como Netflix, que se baseia 100% no financiamento dos assinantes, e Spotify, que mescla assinaturas com publicidade. Esse é um mercado não só para novos players, mas também para produtores de conteúdo mais experientes, como a Rede Globo com o seu Globo Play, onde os assinantes têm vantagens como o acesso a programas antes da estreia na TV aberta — a estratégia digital first vem se intensificando: a série Carcereiros, por exemplo, será disponibilizada no Globo Play em junho e só chegará à tela da TV no ano que vem.

Enquanto mudam os componentes básicos de sua sustentação financeira, os jornais também enxergam novos horizontes no papel que têm na construção de um mundo melhor. Veem a credibilidade, seu maior ativo, revalorizada ante a crise das notícias falsas que inundam o mundo digital. Para muitos analistas, a onda das fake news e a era da pós-verdade são uma chance de ouro para o jornalismo que ainda tem nas marcas de mídia nativas impressas um porto seguro de confiabilidade — não inventaram nada melhor do que bom jornalismo para separar fato de boato.

Se tais movimentos não tiram o meio da crise, ao menos dão fôlego para as empresas jornalísticas serem mais eficientes na produção de conteúdo multiplataforma e encontrarem novas formas de diversificar suas fontes de receita. Seja por meio de projetos especiais ou novos negócios, como o conteúdo patrocinado por marcas e os clubes de assinaturas de produtos e serviços. E, assim, trilharem caminhos para a manutenção dos jornais como mídia sustentável — o que ainda é um desafio em curso.

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