Quem ruge mais alto?
Encerrada a 64ª edição do Festival Internacional de Criatividade, o evento precisa discutir a relação com todas as pontas que compõem a sua força
Encerrada a 64ª edição do Festival Internacional de Criatividade, o evento precisa discutir a relação com todas as pontas que compõem a sua força
Quando subiu ao palco para receber o primeiro Ouro conquistado pela Publicis Brasil sob sua batuta (e o primeiro de toda sua carreira), na segunda-feira 19, Hugo Rodrigues (que assumiu o cargo de CEO da agência em novembro de 2014 e, voluntariamente, optou por não inscrever peças na edição de 2016) talvez até já soubesse que não celebrará tão cedo outro Leão — desses ou de qualquer outra ordem de grandeza.
Horas depois, já na terça-feira 20, Arthur Sadoun, novo presidente do Publicis Groupe, confirmou que, em 2018, a empresa não participará do Cannes Lions (a decisão atinge também festivais como a CES e o SXSW). O timing cirúrgico para o anúncio, durante a realização da edição deste ano, potencializou a notícia, que rapidamente se tornou o grande assunto não apenas do Palais e adjacências, mas de todo o mercado.
As estimativas extraoficiais da mídia internacional especializada quanto aos investimentos do grupo francês (que curiosamente tem um leão como símbolo) para participar do evento começam em quase US$ 1 milhão apenas para as inscrições de peças e chegam aos oito dígitos, quando somados os custos de hospedagem, viagem e alimentação para todos os representantes enviados pela companhia à Côte d’Azur. A empresa e o festival não confirmam esses números.
Três dias depois, foi a vez de Martin Sorrell, CEO do WPP, usar a estrutura oficial do Cannes Lions, em entrevista coletiva, para questionar os rumos do evento e aumentar a pressão sobre os organizadores. O executivo mais bem pago da indústria da publicidade criticou não apenas os custos, mas também a própria localização. “Não sei se é necessário que aconteça aqui, em Cannes”, afirmou, sem rodeios, antes de citar Nova York, Paris, Londres, Berlim e até mesmo São Paulo como cidades mais relevantes para a comunidade criativa global. Sorrell se posicionou contra um possível boicote coletivo.
Há quem aposte que a postura adotada pelas holdings seja mais um trunfo numa relação comercial para conter o avanço da conta que chega todo ano junto com o evento. Mas as agências não foram as únicas a mostrar insatisfação. Os profissionais de marketing, habitués tardios de Cannes, e cuja participação no festival começou a ser digna de nota a partir de meados da década passada, já se sentem mais do que à vontade para dar seus pitacos — e não escondem as dúvidas quanto à eficiência de muitas das campanhas premiadas nem certa ironia quanto ao protagonismo das causas sobre os produtos, nas preferências dos jurados.
“Pergunto-me se os resultados seriam os mesmos se os júris fossem formados por CEOs (de grandes empresas) ou se o critério para uma campanha ser bem-sucedida fosse o valor econômico gerado para as respectivas marcas”, desafiou o vice-presidente global de criação da Coca-Cola, Rodolfo Echeverria.
As agências não foram as únicas a mostrar insatisfação. Os profissionais de marketing, habitués tardios de Cannes, e cuja participação no festival começou a ser digna de nota a partir de meados da década passada, já se sentem mais do que à vontade para dar seus pitacos
Não parou por aí. Com presença cada vez mais ostensiva em Cannes, as companhias de tecnologia reclamaram, nos bastidores, que o público em seus espaços para relacionamento com clientes e prospects estava aquém do esperado. Em um negócio regido por escala, como aquele no qual estão inseridas, menos é sempre menos, mesmo. Já a imprensa brasileira viu seu entusiasmo com as premiações reduzir consideravelmente após o endurecimento da organização do Cannes Lions em fazer cumprir o embargo acertado de até dez horas entre a revelação dos resultados e a autorização para publicá-los, em uma era na qual a urgência e a propagação da informação são ditadas pela dinâmica nervosa das redes sociais.
Com tamanho barulho, a Ascential, dona do evento, optou por entrar na roda, na tentativa de indicar um novo rumo para a conversa. A montagem de um comitê de notáveis para debater o futuro do Festival de Cannes foi a primeira medida para controlar o aumento de insurgentes. “Houve muitas discussões esta semana sobre a estrutura do festival, e queremos criar a experiência mais apropriada do Cannes Lions para todos os participantes”, afirmou Philip Thomas, CEO da divisão de eventos da Ascential. Os primeiros nomes anunciados foram de executivos de grandes anunciantes, dentre eles Marc Pritchard, da Procter & Gamble, e Jan Derck van Karnebeek, da Heineken. As duas empresas, não por acaso, são clientes globais da Publicis.
Demonstrar abertura e disposição para debater os rumos do Cannes Lions é um bom primeiro passo. Encerrada a 64a edição, os organizadores precisam, o quanto antes, começar a discutir a relação com todas as pontas que fizeram do festival a potência que se tornou, para que seus melhores dias estejam ainda por vir. Um evento deste porte, nestes moldes, só é sustentável quando serve à indústria mais do que a si mesmo.
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