Quero ser entretenimento. E agora?
Nos últimos anos, a onda de mudanças nas tecnologias de distribuição, produção, formatos e de consumo de conteúdo, trouxe novos players ao mercado do entretenimento
Nos últimos anos, a onda de mudanças nas tecnologias de distribuição, produção, formatos e de consumo de conteúdo, trouxe novos players ao mercado do entretenimento
22 de setembro de 2016 - 15h42
A constatação não é nova. Steven Heyer, então presidente mundial da Coca-Cola, já falava nisso desde o início do século 21, especialmente no icônico discurso numa das conferências da Advertising Age. Ele dizia, então: “A Coca-Cola não é um refrigerante. É uma ideia. Como os grandes filmes, como as grandes músicas”. E seguia: “Temos de ir na direção das ideias que entreguem a mensagem na forma de entretenimento…”. O que parece novo é a determinação de grande parte do mercado de seguir este caminho. Alcançar o consumidor sem interferir no conteúdo, mas entretendo de verdade.
Neste ano, em Cannes, o assunto foi abordado muitas e muitas vezes, até com uma certa aura de novidade. Algo que, efetivamente, não é. De uma forma ou de outra as maiores marcas e as grandes companhias já atuam como provedores de conteúdo. São muitos os casos de sucesso nos mais variados segmentos. Coca-Cola, Nike, Burberry, Red Bull, todos geradores de conteúdo. Prometo falar destes casos nas próximas colunas.
Nos últimos anos, a onda de mudanças nas tecnologias de distribuição, produção, formatos e de consumo de conteúdo, trouxe novos players ao mercado do entretenimento. Segundo levantamento recente da PWC, o fenômeno acontece na maioria dos 156 países onde a empresa buscou a informação, ou seja, além de não ser novo também não é localizado. Neste mundo cada vez mais digital e cada vez mais segmentado, são centenas de empresas investindo em conteúdo e em relacionamento direto com seus consumidores, seja por meio de sites, blogs, apps, redes sociais, conteúdo próprio, web series e muito mais. A conclusão a que todos chegaram é: temos de estar no negocio do conteúdo! Já falamos, aqui mesmo neste espaço que a música ocupa lugar de destaque neste universo do branding via entretenimento.
As pessoas se relacionam com a música de uma forma muito particular. Mesmo aqueles que gostam dos mesmos artistas, gostam deles por razões distintas. São fãs! E, como fãs, podem ser do tipo que sabem tudo da vida de um cantor, daqueles que cantam todas as músicas, mas que não frequentam seus shows, e até daqueles que gostam do tipo de pessoas que frequentam os shows de determinado artista… este seria o consumo como forma de interação social. Mas os gatilhos são sempre disparados pela mensagem da obra, pela atitude, pela maneira como um artista se relaciona com seus fãs e até pelo quanto de expectativa determinado artista consegue atender ao longo do tempo. Mas não só. A embalagem e o contexto fazem toda diferença. Exatamente como uma grande marca do mercado.
No mesmo discurso citado antes, Steven Heyer colocou que a marca Coca-Cola era, provavelmente maior do que quase todos os artistas que ele conseguia lembrar. Isso nos leva à importância de se escolher adequadamente as obras e os músicos com quem se alinhar.
Fãs estão ligados a um objeto de culto por lentes muito particulares e a experiência dos criadores de conteúdo tradicionais pode ser determinante na escolha mais acertada para uma marca ou um projeto específico, e também na forma de embalar e entregar este conteúdo ao consumidor final.
Uma longa cadeia de criadores, roteiristas, diretores, pensadores, editores e personalidades da mídia tradicional que podem emprestar visão, talento e relacionamento de longa data com grandes artistas. Estes profissionais conhecem como ninguém o tipo de asset que um artista pode aportar em um relacionamento com as maiores marcas do mercado. E estas ainda carregam uma vantagem adicional: informação.
As grandes marcas dispõem, desde sempre, de dados colhidos sobre seus consumidores finais, seus usuários e o que estes esperam de seus produtos e serviços que, se bem utilizados, colocam estas companhias à frente até mesmo das grandes corporações de entretenimento que, por falta de budget, de hábito ou mesmo pela crença quase imortal no feeling não têm, e se os têm, fazem baixo uso deles. O equilíbrio entre o dado e a experiência faz toda diferença no processo.
Podemos dizer que, para entrar no negocio do conteúdo, as maiores marcas deveriam recrutar os profissionais que podem fazer uma entrega à altura desta marca. Mas que tipo de profissionais? Quero esclarecer que os conceitos de atração e retenção de audiência (olhos, ouvidos, corações e mentes) permeiam todos os modelos de negócios do entretenimento, logo, que sejam simplesmente os melhores. Compartimentar expertises é quase tão difícil quanto compartimentar a indústria do entretenimento no momento atual. As fronteiras das indústrias estão se desfazendo e o próximo grande player pode ser imprevisível. Mas a qualidade da entrega sempre fará diferença.
Imagine que os self-driving cars sejam uma realidade comercial em, por exemplo, cinco anos (em Pittsburgh, nos EUA, o Uber e a Ford já os têm rodando). Quantas horas por dia as pessoas ganhariam para consumir conteúdo, uma vez que não precisam dedicar atenção a espelhos, velocímetros e faixas de ônibus? Podem ser bilhões de horas de consumo adicional de vídeos, séries, games ou compras online… E tudo teria de ser tratado para ser melhor consumido quando em um veículo em movimento. Ou seja, a possibilidade do carro ser a próxima plataforma de consumo de conteúdo não chega a ser absurda! Mas o que vai entreter as pessoas nestas horas adicionais terá de ser desenvolvido de forma atrativa, ou será melhor ficar controlando os motoboys.
As fronteiras sumiram e os prazos de mudança encurtaram. Será que o modelo de venda de músicas do iTunes ainda é o negócio do futuro da música? Parece que não. Será que os serviços de streaming são o modelo de consumo de músicas deste século? Talvez não. Quando Martin Sorrell, fundador e CEO da WPP (dono do maior conglomerado de agências de publicidade do mundo) diz que “nosso negócio não é mais advertising, já que 75% de nossa receita vem de mídia e negócios digitais”, algo está mudando rapidamente. Ou já mudou.
A criatividade é, obviamente, muitíssimo importante, mas ter os dados certos, os profissionais certos e os parceiros ideais com quem se alinhar, podem colocar as marcas no caminho do futuro, que já é presente. E a negação desta realidade nunca é a melhor atitude.
Ao sair do campus do Facebook no Vale do Silício, você pode ver uma placa com o nome da Sun Microsystems. Sim, a empresa que já foi referência em sistemas de computação ficava ali, mas acabou. O Facebook ocupa um de seus antigos prédios, e a placa ainda está lá como um lembrete: as empresas que forem complacentes com a mudança ou avessa aos riscos e oportunidades que elas representam, podem acabar como apenas uma velha placa na beira da estrada.
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