Reflexões sobre o caso Americanas
Relação entre valor da marca, o engodo contábil e a perda de valor de mercado de suas ações
Relação entre valor da marca, o engodo contábil e a perda de valor de mercado de suas ações
Construir uma marca é um trabalho de curto e longo prazos. Devemos ter cuidado com o foco excessivo em vendas e resultado de curto prazo e esquecer deste ativo intangível estratégico. Afinal, não é fácil construir uma relação de confiança com seus públicos. Isto leva tempo, consistência, efetividade e entrega correta às suas expetativas.
Quando fazemos o Brand Valuation, um dos componentes chave é a força da marca ou o seu poder junto aos seus públicos, especialmente os clientes e potenciais clientes. Isto pressupõe que saiba quais são os KPIs que compõem a sua força, bem como medi-los e gerenciá-los.
Assim, ao ir ao banco de dados dos rankings anuais que a Brand Dx fez desde 2010, extrair dados de Americanas e fazer uma análise cuidadosa, alguns pontos interessantes sobre o caso são revelados.
O valor da marca das Americanas vem com tendência de queda a valores reais, descontados a inflação, desde o ano de 2010, com uma queda de 50% de seu valor no período, o que significa que ela já vinha se desvalorizando ao longo dos anos. O valor de mercado das 100 Marcas Mais Valiosas do Brasil cresceu 31% em termos reais. Ou seja, enquanto as Marcas Mais Valiosas cresceram em valor, Americanas caiu 50%.
O que vimos foi que uma marca icônica e tradicional como a Americanas vem perdendo alinhamento com às expectativas e anseios de seus clientes e mercado. O engodo contábil foi um gatilho para mostrar outros problemas.
Os dados nos revelam que os KPIs associados ao customer experience da marca vem se deteriorando e impactando na Força e Poder da Marca Americanas, um dos componentes mais importantes do Brand Valuation. Assim, KPIs como experiência da compra, informações dos produtos, pós-venda (garantia, entrega, tempo de entrega…) e atendimento ao cliente, para citar alguns exemplos, vieram se deteriorando ao longo do tempo, causando perda de lealdade e relevância da marca.
Isto foi agravado com a entrada e investimentos de novos players grandes, como Amazon, Magazine Luiza e Mercado Livre, e com pequenos varejistas que vem criando suas plataformas de vendas online. Então, o mercado não cresceu na mesma proporção que o número de players, levando a uma maior divisão e luta desenfreada pela parte do bolo de cada player.
Um outro ponto relevante foi o foco no online em detrimento das lojas físicas, até então a galinha dos ovos de ouro das Americanas. Isto foi tão forte que as lojas físicas perderam relevância aos clientes, com muitas delas vazias, na falta de fit e diferenciação com relação a outras lojas existentes no mercado. O próprio conceito de uma loja Americanas, o portfólio de produtos e o atendimento destas lojas ficaram prejudicados e vem perdendo a força com seus clientes. Note que os dados são de antes da pandemia.
O mais interessante é que muitas marcas estão migrando para o omnichannel, outras digitais têm buscado criar novos formatos de lojas físicas, com o foco no customer experience, o que não vimos aqui ainda.
Enfim, não gerenciar valor da marca, canal e alinhamento com a demanda/expectativas dos clientes pode ter contribuído para o desempenho financeiro das Americanas ao longo dos últimos anos, já que uma marca forte e valiosa geralmente aumenta a base de clientes a taxas superiores de outros players, cria retenção de clientes pela experiência, influencia preço (cobra mais caro e clientes pagam), aumenta a frequência de compra, expande seus produtos/serviços com facilidade, tem um custo/despesa menor com vendas e marketing (não precisa fazer muito barulho), melhores margens de lucro e vendas (pela inovação e poder da marca), entre outras coisas.
Os consumidores de hoje têm o poder de decisão em suas mãos. Eles decidem como, onde, o que e de que forma querem comprar. As marcas precisam criar uma experiência personalizada e diferenciada para eles. O consumo é cada vez mais democrático e livre. Apenas produzir um produto, serviço, ter controle de distribuição, ter muitos pontos de venda, ter preço baixo, gastar milhões em comunicação, não são mais necessariamente garantias de liderança de mercado.
Uma marca afeta todos os seus públicos, impactando ou não positivamente na sociedade, influenciando as percepções e comportamento que eles têm no relacionamento com ela. Em particular, afeta sua preferência ou fidelidade. Assim, os consumidores e clientes compram mais, por mais tempo, a preços mais altos, com mais frequência, enquanto os fornecedores oferecem melhores termos de negócios, os bancos investem a custo de capital mais baixo e os melhores talentos profissionais querem trabalhar nela.
Esses e outros comportamentos de grupos de interesse (ecossistema) afetam os direcionadores de valor do negócio para proporcionar receitas mais altas, custos mais baixos e maior valor da empresa e de suas ações em bolsa.
O desafio de Americanas agora é muito maior do que apenas resolver seus problemas contábeis e financeiros.
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