Reprogramando a IA para 2025
Não é somente o Estado que precisa agir; nós, profissionais do mercado, também temos um papel fundamental
Não é somente o Estado que precisa agir; nós, profissionais do mercado, também temos um papel fundamental
12 de fevereiro de 2025 - 14h00
Já imaginou uma campanha totalmente gerada por máquinas? Rostos que não existem, vozes que nunca foram gravadas e cenários surreais feitos no código. Parece ficção científica, mas é a nossa nova realidade. A inteligência artificial tornou isso possível e trouxe junto um dilema: até onde podemos ir? Para quem, como eu, há anos vive de produção audiovisual, essa é uma pergunta que angustia e nos faz refletir. E a resposta passa por ética, transparência e regulamentação.
A tecnologia está revolucionando o mercado e reescrevendo as regras do jogo. Com IA, marcas podem criar conteúdos de forma rápida, incrivelmente eficientes e muito mais baratos. Mas, como toda ferramenta poderosa, ela vem com desafios complexos que precisamos encarar. A questão não é apenas o que a tecnologia pode fazer, mas como e com que responsabilidade devemos usá-la. Nosso setor é movido pela criatividade, mas também (e principalmente) pela confiança. Quando utilizamos inteligência artificial para criar vídeos, estamos mexendo em algo muito mais profundo do que pixels ou códigos; estamos lidando com percepções humanas, emoções e até memórias. E é aqui que entra a discussão sobre ética e a regulamentação da tecnologia.
Quem é responsável se a IA gera um conteúdo que prejudica alguém? Como garantir que os dados usados para treinar esses sistemas ou criar um vídeo direcionado respeitam a privacidade e os direitos autorais? E, mais importante, como proteger o consumidor de campanhas que podem manipular suas percepções de forma pouco ética?
A regulamentação é o primeiro passo para responder a essas questões. No Brasil, o debate avançou em dezembro de 2024, com o plenário do Senado aprovando o projeto que impõe regras ao uso da inteligência artificial. A proposta ainda precisa ser analisada na Câmara dos Deputados antes de virar lei.
Se o texto for aprovado sem grandes alterações, ferramentas de IA generativa, que criam novos conteúdos em vídeos, imagens e vozes de pessoas reais, terão de disponibilizar acesso aos conteúdos originais. Além disso, o autor da obra poderá proibir o uso do conteúdo e o órgão regulador da tecnologia vai criar um ambiente experimental para que as empresas possam negociar os valores a serem pagos aos criadores.
Esse tipo de legislação é crucial para criar limites claros e estabelecer responsabilidades. Afinal, a publicidade tem um impacto direto na forma como enxergamos o mundo e, sem regulação, o risco de manipulações é enorme. Mas não é só o Estado que precisa agir. Nós, profissionais do mercado, também temos um papel fundamental. Transparência e o uso ético da tecnologia devem ser mais que uma prioridade, um dever.
Em duas campanhas recentes que fizemos, conectadas ao universo esportivo, usamos o avatar de personalidades para criar vídeos personalizados. Para todos, tivemos a autorização para usar suas imagens e vozes. Prática fundamental para qualquer campanha desse tipo. Embora a IA seja capaz de imitar qualquer famoso, a ética na manipulação de vídeos precisa ser um valor inegociável.
Outro ponto importante é que quando utilizamos dados para criar conteúdos direcionados é essencial garantir que informações sensíveis não sejam compartilhadas indevidamente com a tecnologia. A revisão rigorosa e o cumprimento de legislações, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), devem ser pilares de qualquer iniciativa que envolva IA.
Portanto, a questão não é se devemos usar inteligência artificial na produção audiovisual, mas como. Estamos diante de uma oportunidade única de moldar o futuro da indústria. E isso exige responsabilidade, coragem e disposição para olhar além dos resultados imediatos. Porque, no fim das contas, o que está em jogo é muito mais do que uma boa ideia — é a relação de confiança entre marcas e pessoas. E isso não tem preço. A criatividade e a entrega de uma boa campanha são muito importantes, mas a responsabilidade deve ser o nosso maior legado.
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