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Rio que muda de lado

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Opinião

Rio que muda de lado

É hora de refletirmos menos sobre o que não temos como controlar e mais sobre o que podemos transformar


25 de novembro de 2024 - 6h00

Camburi é uma palavra de origem tupi-guarani que significa rio do robalo. O nome teria surgido pela quantidade de robalos que subiam o rio, vindos do mar. Pesquisando, descobri que o robalo tem uma alta tolerância às diferenças de salinidade da água, o que lhe permite transitar livremente entre o mar e a água doce. Que beleza de habilidade.

Existe, no entanto, outra versão para o significado da palavra Camburi, e é essa que me importa neste momento: rio que muda. Dizem que o rio que deságua na praia do Litoral Norte mudava de direção — ora para a praia do Camburizinho, ora para Camburi. Quando soube dessa interpretação, não dei muita importância. Mas, à medida que fui fincando meus pés na areia de Camburi, o tal rio que muda me pareceu um pequeno conto que acaba por refletir o meu sentimento pelo lugar.

Quando cheguei a São Paulo, eu me senti perdido por muito tempo. Ou, como canta Caetano, “É que quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi”. Carregava o Rio de Janeiro em cada um dos meus poros, e ninguém me avisou sobre a estranheza concentrada na Avenida Santo Amaro. Sentia falta do mar, dos amigos, do jeito de falar, da informalidade. A saudade era tanta que, nos primeiros 17 finais de semana em São Paulo, minha esposa e eu voltamos para o Rio. Foi então que um grande amigo, Fernando Nobre, me alertou: você não está vivendo nem lá, nem cá; precisa ficar aqui no final de semana para tentar compreender a cidade.

A partir daquele dia, passei a decifrar, consumir, entender e, enfim, gostar de viver em São Paulo. Só que o Rio sempre me faltou.

Entre as muitas dores pouco faladas da pandemia, o luto sobre o qual colocamos um tapete coletivo e essa mania de chamar o que vivemos de “aquele tempo” sem quase nunca nomear, entre os medos e anseios, se houve algo que me deu uma nova perspectiva, foi a descoberta de Camburi em meio ao caos. Fui para lá em busca de uma fuga dos gurus do “novo normal” e reencontrei quem eu era no Rio dos anos 1990. Sem sobrenome, mas com apelido; sem chinelo, mas com machucados no pé; sem grandes ansiedades, mas com a leve e enorme responsabilidade de fazer valer o dia. Aquele dia, apenas.

Talvez seja o fato de este ser o último artigo do ano que me leva nessa direção. Ou, quem sabe, é o próprio rio que muda de lado. Em todo caso, não me interessa tentar definir as direções, preocupações ou rumos (que desconhecemos) do mercado ou as promessas corporativas de Ano-Novo. É hora de refletirmos menos sobre o que não temos como controlar e mais sobre o que podemos transformar. Sabe aquele gráfico que circulou recentemente, mostrando as coisas que podemos e as que não podemos controlar? Não viu? Ele mostra que o futuro, o passado, o que os outros pensam sobre você, os imprevistos e até o desejo de ser amado estão fora do seu controle. Por outro lado, sua reação, suas crenças, para onde direciona sua atenção e o que escolhe amar estão mais próximos do que você consegue controlar. É aquele resumo para colar de vez em quando. Se fosse nos anos 1990, estaria em um diminuto papel enrolado dentro de uma caneta Bic para puxar nas horas de esquecimento.

Uma das coisas que mais têm me divertido é ouvir a pergunta “Você está morando em Camburi?”, ou alguém me dizer “Quando estiver em São Paulo, vamos combinar um almoço?”. Eu moro em São Paulo, eu trabalho em São Paulo, mas, como me disse Anna, uma amiga, eu (re)vivo em Camburi. Entre o que eu posso controlar, essa sensação de respirar Camburi foi uma escolha acertada.

“Ah, mas você não vive o seu trabalho? Você não respira cada partícula flutuante do mercado?” diria o guru das metas sobre o que eu poderia ou não falar para ser considerado um profissional de respeito. E eu respondo: eu faço isso tudo, mas aprendi ao longo dos anos que você não recarrega a bateria sendo e fazendo uma única coisa.

Estou falando de Camburi, mas você pode entender esse lugar como aquilo que te faz bem. E pode não ser exatamente um lugar, mas um jeito de estar: tatame de luta, pilates, tocar um instrumento, ficar de cara para o sol, uma viagem, um bate e volta, areia, grama, montanha, pedalar pela cidade sem um destino certo, parque, um livro, um hobby, um momento sem pensar em nada, aquela canção que te leva para outro mundo, olhar um álbum de fotos como quem procura a si mesmo, encontrar um artista que mexe com você, afundar a cabeça na água, correr, nadar, flanar, fazer uma promessa de que esta é a última tatuagem e tatuar mesmo sabendo que não ela será a última, assistir a um filme bobo, maratonar a série que te acalma (você deve ter uma), cozinhar por prazer – e não por obrigação, observar os pedestres, ir à feira, sair do rumo, do prumo, do trilho de Ferrorama no qual entramos sem perceber e ficamos a andar em círculos com a mesma paisagem.

Digo para as minhas filhas que as imagino como o Morro Dois Irmãos, em Ipanema. De longe, parecem uma unidade só, resistente às adversidades. De perto, percebemos que são dois morros, cada um com sua singularidade. É o que chamo de Morro Duas Irmãs, e é o que desejo para elas. Nessa natureza, enquanto metáfora, penso que, se Camburi significa rio que muda, posso roubar para mim parte desse sentido. Porque tenho a sensação de que o meu Rio também muda de lado. Ora deságua em Camburi, ora no litoral carioca. E, em alguns momentos, uma pororoca se forma no encontro dessas duas forças. E o que sai desse choque é o que me faz completo.

Que em 2025 você encontre o seu rio que muda.

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