Se eu fosse Mark Zuckerberg, não buscaria soluções
Assim como nasceu para erguer pontes e criar confiança entre as pessoas, a plataforma pode eliminar os seus problemas perseguindo estes mesmos objetivos — a máquina é apenas o meio
Se eu fosse Mark Zuckerberg, não buscaria soluções
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Não me preocuparia com as críticas da imprensa ou a queda (pontual) das ações. Ignoraria a ameaça de celebridades e anônimos apagarem as suas contas. Também não me importaria com o desafio de explicar Cambridge Analytica no Senado. A minha única angústia seria o risco de buscar soluções sem compreender plenamente o desafio diante do Facebook. É na percepção dos problemas que reside a nossa capacidade de resolvê-los à altura.
Sem dúvida, a consequência mais proeminente é o escândalo da privacidade violada pela Cambridge Analytica. Mas essa falha pontual já foi sanada quando o erro grosseiro — de deixar qualquer aplicativo acessar informações dos amigos das pessoas que o instalavam — foi reparado.
Entender o alvoroço como o ponto central da questão configura outro equívoco latente. O cerne do impasse, hoje, é o fato de o Facebook ter nascido como uma rede para conectar pessoas e, depois, fazer da exploração de suas diferenças um modelo de negócios. Foram a coleta, a inferência e a disponibilidade de dados de comportamento a qualquer anunciante que permitiram a alegada e provável influência russa nas eleições dos Estados Unidos e no Brexit.
O cerne do impasse, hoje, é o fato de o Facebook ter nascido como uma rede para conectar pessoas e, depois, fazer da exploração de suas diferenças um modelo de negócios
Um efeito claro da exploração das divergências dentro da comunidade é a disseminação de conteúdo de ódio (hate speech) por grupos extremistas que o utilizam como ferramenta para agravar ainda mais as polarizações. As fake news servem ao mesmo propósito, florescendo nas fissuras sociais para interferir em comportamentos e opiniões. A produção de notícias falsas não é novidade, mas, aqui, é amplificada pelo compartilhamento e potencializada pelas bolhas dos algoritmos.
O ambiente acolhedor gerado por um determinado grupo de indivíduos propicia a confiança no conteúdo e impulsiona discursos de ódio e fake news, criando um ciclo vicioso que influencia uma em cada três pessoas no mundo. Mas, como lidar com a raiz do problema sem colocar em risco o serviço e o negócio?
Da mesma forma que agrava as consequências, o senso de comunidade também indica a saída: reconstruir a confiança. Sem ela, não há coletividade e cada homem se resume a uma ilha.
Em primeiro lugar, para atribuir confiança em relação à privacidade, a solução é dar poder total — e real — aos usuários por meio de informação, tecnologia e transparência. Basicamente, o ideal seria montar um painel de controle em que cada indivíduo pudesse ver os dados que o Facebook pode oferecer sobre si aos anunciantes: o que foi dado diretamente (cadastro) e o que foi inferido (por navegação, interações e conexões).
Uma usuária poderia, por exemplo, ver que a plataforma sabe (e acha) que ela é: mulher, negra, solteira, tem 22 anos, gosta de filmes de arte, procura produtos de esportes, tende a votar na esquerda e está aberta a abordagens de marcas de cosméticos.
Assim, as pessoas teriam escolhas reais sobre o que pode ser dividido com os anunciantes a partir de categorias amplas (demográfica apenas, por exemplo) ou por meio de seleções detalhadas (como a opção de não inferência de orientação política). Esse movimento certamente diminuiria o poder de segmentação dos anunciantes, mas, em contrapartida, seria capaz de recompor a credibilidade da plataforma.
A última ferramenta anunciada no F8 só prova que é preciso repensar o problema antes de propor soluções: por mais que a função “limpar histórico” permita que os dados de navegação sejam identificados apagados, eles seguirão na base da plataforma para segmentação e análise — o indivíduo pode até se sentir mais seguro, mas a comunidade permanecerá vulnerável.
Já o combate ao hate speech é mais complexo. Como o assunto é sensível e relativo, vai bem além de um dashboard. Pode-se até identificá-lo e bloqueá-lo usando inteligência artificial. Antes disso, porém, é fundamental ensinar à máquina o que é conteúdo de ódio – e delimitar os seus contornos não cabe ao Facebook ou a qualquer outra empresa.
Como comunidade global, já construímos definições internacionais de valores humanos que estabelecem os limites entre a liberdade de expressão e o conteúdo de ódio. A alternativa, nesse caso, passaria pela criação de um conselho de notáveis apto a equilibrar o que temos em comum e as idiossincrasias culturais e nacionais dos países onde o Facebook opera, gerando um consenso confiável, estruturado em comunidade e, posteriormente, implantado pela máquina.
Por fim, para amenizar o impacto das fake news, a resposta também nasce do resgate da confiança, trazendo atores fundamentais para o processo: veículos e jornalistas respeitados. O caminho, aqui, seria montar uma cadeia mundial de repórteres remunerados para verificar e certificar a procedência de notícias, fontes e dados, como uma rede de fact-checking descentralizada. As informações que precisassem de confirmação seriam apontadas por meio de denúncias e identificadas a partir de fontes anteriormente sinalizadas como duvidosas. Essa possibilidade também gera novas receitas para os meios tradicionais de imprensa, os quais necessitam desesperadamente reinventar os seus modelos — ainda que o seu valor seja cada vez mais inquestionável.
As medidas contra hate speech e fake news, no entanto, devem ir além do próprio Facebook, já que ele é o meio, e não o fim — e é vital perceber-se como tal. Ambas as soluções precisam ser desenvolvidas e compartilhadas entre todas as plataformas em que esses conteúdos circulam (Google, YouTube, Twitter, Reddit e Snapchat), reduzindo esforços e ampliando a eficiência do combate.
Os desafios são enormes e proporcionais ao impacto que o Facebook tem na vida das pessoas em todo o mundo. Mas, assim como nasceu para erguer pontes e criar confiança entre as pessoas, a plataforma pode eliminar os seus problemas perseguindo estes mesmos objetivos — a máquina é apenas o meio. Basta perceber o que de fato está em jogo e ter em mente o preciso conselho de Cesare Cantù: “um excelente modo de fazer o bem é a firme decisão de combater o mal”.
*Crédito da imagem no topo: Brian Solis
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