Se tudo mudou, por que tudo parece igual?
É preciso tratar da porta para dentro as questões de equidade racial, social, de gênero, religião ou origem
É preciso tratar da porta para dentro as questões de equidade racial, social, de gênero, religião ou origem
Não conheço Bethany Iverson, diretora de estratégia da Space150 NY, mas ela chamou minha atenção ao publicar um artigo que começa dizendo: “Sou grata àquelas pessoas que estão se encarregando de construir uma indústria que reflita o mundo em que vivemos, mas estaríamos sendo negligentes se falássemos sobre o progresso que estamos buscando sem falar sobre um assunto mais urgente e desconfortável que mantém a diversidade fora das agências.”
O “assunto urgente” ao qual Bethany se refere é a equidade racial, mas é impossível chegar ao final do artigo sem pensar em equidade social, de gênero, religião ou origem — e sem pensar no quanto é verdade que temos mantido nosso foco em tratar a diversidade da porta para fora enquanto, muitas vezes, esquecemos de nos perguntar o quanto temos ou não investido em refletir essa mesma preocupação da porta para dentro.
Ser reflexo do mundo que conhecemos hoje não é simples. Estamos vivendo grandes polarizações e contradições em que, na contramão da busca pela inclusão, países reforçam fronteiras e na contramão da busca pela mudança, o conservadorismo ganha força.
Ser reflexo do mundo em que vivemos hoje não é fácil. Não nascemos preparados. Somos fruto de outra consciência. Aprendemos a rir do que nos machuca porque isso parece nos fazer sentir menos dor. Aprendemos a não ver, a deixar passar, a fazer vista grossa, habilidades sem efeito em um mundo onde tudo está o tempo todo visível.
Está certo. Estamos falando de negócios e não podemos construir as melhores empresas sem as melhores pessoas. Mas podemos percorrer caminhos mais difíceis e ajudar o melhor a existir. Conheço um grande executivo em Palo Alto que uma vez me disse “não perco meu tempo olhando currículos que não venham de Harvard, Stanford, Berkeley ou MIT; se já não é fácil encontrar os melhores lá, imagina no resto”. Não pude deixar de comentar que era mesmo curioso que o mundo o tivesse colocado ali na minha frente, querendo saber o que uma estudante do Colégio Tiradentes de Manhuaçu e da PUC de Minas Gerais tinha a dizer sobre um problema que o andava deixando sem dormir.
Precisamos levar a diversidade para dentro da indústria da comunicação, não só para dentro das agências. Isso é sobre crenças e propósitos, antes de ser sobre RH. Resolvido se realmente vemos na diversidade um valor, a etapa seguinte é implementar iniciativas que comecem ajudando a corrigir erros históricos e apoiem a formação e o desenvolvimento pessoal e profissional de pessoas que até hoje tiveram acesso a muito pouco — um primeiro passo que precisa ser seguido pela implementação de novas diretrizes no processo de recrutamento e pelo desenvolvimento de novos processos de integração e aculturamento.
Em seu artigo, Bethany propõe cinco caminhos que podem nos ajudar a dar alguns passos para além de onde estamos agora. Peço licença para ampliar um pouco o que ela propõe:
1. Criar programas de aprendizagem para novos talentos ou apoiar programas existentes.
2. Recrutar em comunidades e escolas técnicas e oferecer bolsas de estudo.
3. Criar líderes conscientes de questões relacionadas à equidade racial, social, de gênero, de religião e de origem.
4. Criar oportunidades de discussões internas e zonas livres de julgamento onde as pessoas sintam-se estimuladas a aprender e livres para cometer erros.
5. Tornar mais fácil para todos o acesso e o desenvolvimento de uma compreensão mais profunda, histórica e atual, sobre segregação e luta por igualdade e direitos civis.
Como inspiração na busca de novos modelos, vale conhecer projetos como o BrandLab, a Fundação Lemman e as Escolas Germinar, projetos bem diferentes entre si.
O mundo está mudando enquanto nós mudamos e muitas vezes parece que o mundo está se movimentando mais rapidamente do que damos conta de acompanhar. É natural que muitas vezes não saibamos como agir, que passo dar, quando vai ser suficiente. Se você sentir-se assim, olhe à sua volta: você não está desconfortável sozinho.
Olhe de novo, chegue mais perto, você vai ver também que, de pessoas comuns a grandes corporações, tem muita gente transformando desconforto em ação positiva. Como o Ian Black, que resolveu levar seu curso de formação em gestão de conteúdo para jovens transexuais interessados em construir uma carreira em publicidade. Iniciativas como a do Ian, se solitárias e isoladas, podem fazer pouco efeito, mas ele não se importa. Ian acredita em microrrevoluções e quer fazer a parte dele. E você? Quer fazer o quê?
Compartilhe
Veja também
O panorama do streaming em 2025
Quais ferramentas podem mudar o cenário no segmento para o próximo ano
Qual a primeira marca que vem à sua cabeça?
Em um mundo saturado de estímulos, as marcas reconhecidas tornam-se “atalhos mentais”, mecanismos que nosso cérebro usa para poupar energia ao fazer escolhas diárias