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Opinião

Se você tem medo de alguma coisa, se joga nela

Na sociedade atual, somos desafiados todos os dias a mudar, mas instintivamente reagimos à mudança porque nos sentimos inseguros quando enfrentamos o desconhecido


31 de outubro de 2016 - 7h00

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Enfrentar certos medos nos leva ao crescimento pessoal e profissional (Crédito: SXC/Freeimages)

Eu tenho um colega de longa data que tem muito medo de altura, uma espécie de vertigem. É um cara que não chega perto de parapeito de janela, porque as pernas começam a tremer. Há anos, ele me diz que sente isso desde criança e lamenta ter perdido muitas oportunidades legais de fazer coisas diferentes por conta desse medo pré-estabelecido. Antes mesmo de tentar, sabendo que sentiria medo, ele tomava a decisão de recusar experiências ou fazer coisas simples, como, por exemplo, vivenciar uma experiência numa montanha russa, coisa que ele nunca teve coragem de fazer… até encarar uma aventura que mudou a sua vida.

Há cinco anos, numa sexta-feira, ele me chamou para almoçar, porque tinha algo para contar. Disse que havia decidido realizar algo radical para romper a tal síndrome do medo de altura. Olhei para ele com cara de desconfiança e falei: “Okay, mas e aí? O que você vai fazer?”. Ele sorriu um sorriso nervoso, sem graça, e contou que havia decidido pular de paraquedas. Eu ri muito pensando que aquilo era uma piada, mas ele terminou dizendo que o salto de paraquedas seria realizado no dia seguinte pela manhã. Contou que havia tomado a decisão meses antes, sozinho, e depois seguiu com o plano: pesquisou as alternativas, contratou o serviço, recebeu orientações a respeito do procedimento e agora estava tudo pronto. No sábado ele estaria realizando um salto duplo de paraquedas, agarrado num paraquedista profissional, se jogando de avião no interior de São Paulo.

Aí perguntei: “Mas você está pronto?”. Ele respondeu imediatamente: “Eu estou super pronto, mas morrendo de medo. A minha mulher me pede todos os dias para eu pensar melhor”. Rimos um bocado e dei um enorme abraço nele pela coragem de fazer algo tão radical.

No sábado à tarde, recebi uma mensagem com fotos dele saltando no infinito, cenas incríveis para quem tinha dificuldade de encarar a janela do prédio onde mora. No fim da mensagem uma frase mágica: “Foi a melhor experiência da minha vida”.

Cinco anos depois daquele salto de paraquedas, há uma semana, nós saímos para almoçar mais uma vez e celebrar algo muito especial. Durante esse período o meu amigo voltou a saltar mais vezes de paraquedas, aliás, muito mais vezes. O que era um desafio virou vício. Em pouco tempo, ele deixou de saltar acompanhado e passou a saltar sozinho, não somente no interior de São Paulo, mas em outras cidades no Brasil e no mundo. Também experimentou outras opções de salto, como parapente e asa delta. Há dois anos ele enfrentou pela primeira vez uma montanha russa, foi num parque da Disney World com a esposa e filhos. Ele disse que as pernas tremeram assim que sentou no carrinho do brinquedo. Saiu de lá com as pernas ainda trêmulas, mas entrou de novo na fila da mesma montanha russa. Naquele dia, ele andou naquela montanha russa mais de dez vezes em sequência e comemorou a vitória. Saiu dos parques da Disney tendo andado em todas as montanhas russas… todas! O medo de altura virou paixão pela altura, mesmo que suas pernas ainda enverguem quando ele aproxima do parapeito da janela de seu apartamento.

Perguntei se ele ainda tem medo de altura. Ele respondeu: “Muito medo, minhas pernas tremem e sempre acho que vou desmaiar”. E retruquei: “Mas porque você não sente nada quando pula de paraquedas? Qual é a magia?”. Ele respondeu: “Eu sinto, mas não sei o que acontece. Antes de saltar, ainda dentro do avião, o meu coração fica acelerado e estou apavorado de medo. Às vezes, me pergunto porque estou ali. Mas depois, já nos primeiros segundos no ar, eu entro em outra dimensão e sinto a melhor sensação da minha vida. Estou saltando há quase cinco anos e a sensação de cada salto é exatamente a mesma que tive no primeiro salto: um medo imenso seguido de um enorme prazer. Não consigo descrever. É uma espécie de vício”.

Esse meu colega, que preservo o nome aqui, teve um enorme crescimento pessoal e profissional desde então. Ele é realmente outra pessoa. Era um sujeito acanhado, inseguro e introvertido. Ao longo desse tempo, simultaneamente aos saltos de paraquedas, ele passou a fazer coisas que não fazia antes: fez um curso de história, que era um sonho antigo, mudou de profissão entrando numa área completamente nova para ele, morou seis meses sozinho – longe da família – por conta de um curso que desejava fazer e outras coisas que não cabem citar aqui. Ele realmente virou uma lição de vida para mim. Mudar de profissão e morar no exterior, longe da família, são iniciativas que dão medo, como o salto de paraquedas, mas ele tomou coragem e enfrentou esses medos.

Nesse último almoço, voltando a falar sobre o enfrentamento do medo no salto de paraquedas e sobre outras decisões que contei acima, ele me disse a frase mágica que grudou na minha mente: “Aprendi uma coisa: se você tem medo de alguma coisa, se joga nela”.

A mensagem do meu colega nunca foi tão atual. No momento da sociedade em que vivemos, com tudo se transformando de forma acelerada e dogmas sendo derrubados, com profissões desaparecendo e se transformando, negócios tradicionais derretendo e novos negócios surgindo, a todo o momento temos a chance de pular de paraquedas em algum abismo que desconhecemos. Nós somos desafiados todos os dias a mudar, mas instintivamente reagimos à mudança porque nos sentimos inseguros quando enfrentamos o desconhecido, o novo e a incerteza. Em vez de nos lançarmos, nós nos recolhemos. Enfim, precisamos pular mais de paraquedas.

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