Seis valores que retratam a alma (e o bolso) do brasileiro

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Opinião

Seis valores que retratam a alma (e o bolso) do brasileiro

Entender algumas necessidades básicas que movem as nossas motivações pode ajudar a criar campanhas poderosas e assertivas


11 de julho de 2024 - 14h00

Uma das memórias mais afetivas que tenho do meu pai é de quando ele me levava, ainda criança, para assistir aos jogos do São Paulo no estádio do Morumbi. Essa tradição começou na minha infância e perdurou até a adolescência. Era um momento só nosso, onde compartilhávamos o amor pelo time e a alegria do ambiente vibrante do estádio. Estávamos lá, juntos, vivenciando essa experiência especial, na vitória ou na derrota. Hoje, faço o mesmo com meus filhos, na esperança de que eles também guardem esses momentos com carinho.

Por que menciono essa lembrança? Porque ela exemplifica como memórias afetivas frequentemente estão entrelaçadas com tradições. No caso da minha família, ir ao estádio era uma tradição semanal. Para outros, pode ser um almoço de domingo ou uma viagem de fim de ano. As tradições, porém, não são apenas um ritual: elas são parte dos valores essenciais que orientam nossas interações e escolhas na vida.

Shalom H. Schwartz, psicólogo social e pesquisador transcultural, identificou valores fundamentais que moldam nossas atitudes e relações sociais: autoaperfeiçoamento (incluindo hedonismo, realização e poder); autotranscendência (universalismo e benevolência); abertura à mudança (estimulação e autodireção); e conservação (tradição, conformidade e segurança). Eles formam a base da Teoria dos Valores Humanos Básicos.

Dada a importância dos valores na vida das pessoas, é natural questionar se eles também afetam as escolhas dos consumidores. Trabalhando por anos na área de Analytics & Insights da P&G, percebi a necessidade de entender o que realmente importa para os brasileiros. Com base na teoria de Schwartz, realizamos uma pesquisa com nossos próprios consumidores para identificar os valores que mais se destacam entre eles.

Embora todos nós carreguemos os valores descritos por Schwartz, nossa pesquisa revelou que seis deles são particularmente representativos da essência do Brasil. Incorporamos esses valores em todas as nossas campanhas de marketing, permitindo-nos comunicar de forma mais direta e eficiente com nossos consumidores. São eles:

Tradição

Para os brasileiros, a tradição é sagrada. Ela incluir rituais como vestir branco no Réveillon, jogar futebol e comer feijoada às quartas-feiras e reservar o domingo para a pizza noturna — uma prática que nem mesmo os italianos têm. No entanto, a tradição no Brasil não é estática; ela se renova ao longo do tempo.

Um exemplo dessa renovação é o chá de fraldas, que se popularizou tanto que 20% das fraldas vendidas no país são destinadas a essa celebração familiar. Isso ilustra como a tradição se adapta às necessidades e costumes contemporâneos. Outro exemplo é a introdução das feiras semanais nos supermercados, realizadas às quartas-feiras. Para o brasileiro, a tradição é um conceito dinâmico, que molda e é moldado pelo cotidiano.

Realização

O brasileiro aspira ao sucesso e busca se destacar e impressionar os outros, especialmente por meio do consumo. Ele sente orgulho ao encher o carrinho de compras, pois a capacidade de adquirir bens materiais está intimamente ligada à reputação e funciona como um símbolo tangível de status.

Em um contexto marcado pela desigualdade econômica, o poder de consumir não é apenas um luxo, mas uma vitória para a maioria dos brasileiros. Um exemplo claro dessa busca por reconhecimento e sucesso é a presença de Smart TVs em lares de todas as classes sociais. 

Além disso, a realização se manifesta no storytelling. Os brasileiros adoram contar histórias de superação, mostrando que “chegaram lá”. Esse orgulho de superar desafios e alcançar o sucesso é motivo de grande satisfação pessoal e social.

Autodireção

Os brasileiros valorizam a independência e acreditam na importância de perseguir seus próprios objetivos, demonstrando um forte desejo de ser seus próprios chefes. Essa valorização da autodireção se manifesta em diversos aspectos da vida, desde a busca por hacks para resolver problemas até a prática de automedicação — segundo o Conselho Federal de Medicina, 77% dos brasileiros tomam remédio por conta própria.

A criatividade e a engenhosidade são traços distintivos do povo brasileiro. Acreditamos na capacidade de aprimorar qualquer coisa, seja através de uma receita caseira para remover manchas, um tratamento capilar personalizado, ou reinventando pratos internacionais, como incorporar cream cheese à comida japonesa ou criar versões brasileiras de diversos sabores de pizza.

Hedonismo

O hedonismo é mais do que um estilo de vida; é uma forma de enfrentar a incerteza do futuro e lidar com a ansiedade. Imediatista por natureza, o brasileiro vive o presente sem adiar os prazeres pessoais. Seja comprando um novo celular ou organizando um churrasco com amigos mesmo em tempos de dificuldade financeira, a busca pelo prazer é uma constante na vida cotidiana. Apesar das altas taxas de endividamento e do estresse do dia a dia, os brasileiros mantêm uma atitude positiva, buscando o lado divertido da vida. Essa busca pelo prazer imediato aparece nas decisões de consumo, impulsionando a compra de produtos que proporcionam experiências gratificantes e momentos de descontração.

Autoimagem

A autoimagem do brasileiro vai além da esfera pessoal; é uma ferramenta para o reconhecimento social e a preservação da imagem pública. Essa preocupação se reflete em uma série de hábitos cotidianos: de acordo com estudos realizados pela P&G, em média, tomamos banho 8,5 vezes por semana, superando a média dos Estados Unidos, que é de 6,5 vezes; utilizamos desodorante duas vezes ao dia, em comparação com apenas 1,2 vezes entre os norte-americanos; e escovamos os dentes três vezes ao dia, o dobro da média global. Nessa perspectiva, a vaidade não é encarada de forma negativa, mas sim como uma expressão saudável de cuidado pessoal.

Benevolência

No Brasil, o cuidado com o bem-estar dos entes queridos é uma prioridade. Essa característica cultural se manifesta, por exemplo, nas casas que abrigam diversas gerações da mesma família e no apoio financeiro oferecido em momentos difíceis. A interdependência comunitária é altamente valorizada, com o sucesso compartilhado e as dificuldades enfrentadas em conjunto.

Essa mentalidade de benevolência permeia até mesmo as relações comerciais, onde a construção de confiança é considerada crucial antes de qualquer negociação. Os brasileiros formam laços facilmente, mesmo com desconhecidos — basta lembrar das antigas comunidades do Orkut. Hoje, essas comunidades evoluíram para grupos de WhatsApp, onde a troca de informações, dicas e apoio acontece em tempo real, na palma da mão.

Esses valores básicos oferecem uma perspectiva essencial para o marketing de produtos, possibilitando uma segmentação de mercado mais refinada e o desenvolvimento de produtos que verdadeiramente se conectem com as motivações dos consumidores. Ao incorporar esses valores em todas as etapas do ciclo de vida do produto, não só é possível alcançar o público adequado, mas também estabelecer vínculos emocionais profundos com os consumidores brasileiros. E, quem sabe, até mesmo inaugurar uma nova tradição familiar.

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