Sejam pessoas curiosas
É o tempo certo para isso; os idiotas estão repletos de certezas
É o tempo certo para isso; os idiotas estão repletos de certezas
Sejam pessoas curiosas. A curiosidade nos salva da mesmice, da rotina, do tédio.
Seja curioso com tudo o que envolve o seu trabalho, mas não se esqueça de ser ainda mais ávido pela vida. Seja curioso, porque a curiosidade nos liberta da chatice de ser uma coisa só, de falar apenas sobre um assunto. Pessoas chatas falam delas mesmas em qualquer brecha possível; pessoas interessantes abrem um leque de opções. Pessoas egocêntricas não têm curiosidade, pois acham que se bastam e acreditam que o outro estará sempre muito interessado no que elas têm a dizer. Mal sabem elas que o mundo tem milhares de outras preocupações.
Seja curioso com os outros. De verdade. Olhe para os conhecidos e desconhecidos, na tentativa de aprender ou apreender algo. Sempre há algo que desconhecemos ou que não compreendemos de imediato. O mistério que há no outro pode preencher alguma lacuna em nós, pode abrir novas perspectivas. Não é porque você ganhou uma bela quantidade de prêmios que entende tudo do mundo ao redor. A bem da verdade, conheci almas profundamente vazias com as mais diversas condecorações. Em comum, a ausência de algo interessante para dizer que não abrangesse sua própria atmosfera. Eram tão crentes de si que causavam enorme descrença sem perceber.
Seja curioso com você mesmo. A curiosidade pode levá-lo a um dermatologista antes do pior. O que aparenta ser uma pinta diferente das outras, com aquela pequena irregularidade porosa, merece toda a sua curiosidade. Uma pinta em meio às centenas de pintas colecionadas em anos de adolescência exposto ao sol, sem nenhum tipo de proteção. Seja curioso com a terapia, porque terapia é a vontade de saber mais sobre si mesmo para sair um pouco melhor dali. Só tenha a certeza de que vai doer umas tantas vezes ao puxar aquele curativo mal remendado em cima das feridas que a vida não cicatrizou. Terapia pode ter uma ardência de merthiolate das antigas, aquele que separava a alma do corpo em alguns momentos. A terapia também tem aquele frescor de sopradinha de vento para amenizar e acalmar. Nesse processo, descobrimos que ora somos o merthiolate, ora somos o sopro – nem sempre na ordem esperada.
Seja uma pessoa curiosa com uma amiga quando ela lhe disser que precisa conversar. Curiosidade é estar inteiro para ouvir, sem grandes distrações. Ouvir o outro é, nos dias de hoje, um ato valioso de carinho, de desprendimento de si mesmo. Seja curioso com o silêncio
do outro. Observe com respeito, tente entender o que há ali. Será uma dor? Uma desconexão necessária? Um exercício para ouvir o não falado? Em um episódio recente da Rádio Novelo, há um trecho que fala da nossa dificuldade de lidar com o silêncio. Seja curioso em aproveitar o silêncio, quando houver a oportunidade, em um mundo barulhento.
Seja curioso com as matérias humanas. Seja curioso com as exatas. Até hoje guardo a lembrança da alegria que me causou a leitura de Malba Tahan, um matemático brasileiro que, na verdade, chamava-se Júlio César de Melo e Sousa e escrevia sobre a magia dos números. Há magia em tudo que nos cerca, se olharmos com atenção. Seja curioso com a leitura, com o ato de comer, com os sons. Quantos de nós já dissemos não gostar de algo antes de experimentar? Seja curioso com as próprias incongruências. Uma hora você odeia salsinha, na outra é um fervoroso defensor dela e do coentro. Uma vez, você prometeu que nunca mais leria O Triste Fim de Policarpo Quaresma; em outro momento, você se questiona por que lhe deram isso para ler com 13 anos de idade e volta para descobrir a maravilha que é a escrita de Lima Barreto. Seja curioso e questione a própria rigidez. Gente rígida quebra no meio.
Seja uma pessoa extremamente curiosa com as dúvidas. Cultive e explore os recantos dos questionamentos. É o tempo certo para isso. Os idiotas estão repletos de certezas. Seja curioso na busca das fontes, dos dados, da base daquela informação que circula. Não se satisfaça com a notícia fácil que chega e traz apenas o que você quer ver ou acreditar. Estamos vivendo a era da dissolução da verdade. Seja curioso com a ciência. É triste ter que dizer isso em 2025, com tantas evidências, mas se até hoje desacreditam da mudança climática, é necessário repetir. Mas é preciso estar atento e forte para as distorções que virão em um tsunami.
Seja curioso com a arte em todas as suas formas. Degustei a série Black Rio do podcast História Preta e descobri que nada sabia sobre os meandros do que aconteceu naquele movimento dos anos 1970. Salve Dom Filó. A arte é um ato de resistência!
Seja curioso como uma criança a olhar o mundo, mas sábio da vantagem de antever que não dá para enfiar o dedo em uma tomada. Esqueça, por alguns segundos, todos aqueles filtros da vida adulta que insistem em enxergar apenas o óbvio.
Seja curioso. Os americanos têm um ditado de raiz inglesa que diz “A curiosidade matou o gato”. Eu prefiro acreditar que foi a curiosidade que o salvou por sete vidas. Seja uma pessoa intensamente curiosa. A vida fica muito mais interessante quando a olhamos com a inquietação que ela merece.
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