Semanas em que décadas acontecem
No audiovisual, tento imaginar qual será o “novo normal” econômico e comportamental, quando superada a pandemia
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A atividade de exibição cinematográfica é um negócio imobiliário, demandando grandes espaços e, consequentemente, tendo o aluguel como importante item de custo. Neste momento, duas das três grandes redes das américas (AMC e Cinépolis) já estão demonstrando fragilidades de caixa. É um problema de todos as atividades de varejo, que vai requerer soluções não ortodoxas ou insolvência.
Uma variável em aberto é quantos dos distribuidores adotarão o modelo “direct-to-video/over-the-top (OTT)” como estratégia de lançamento, algo que a Disney já havia sinalizado na promoção do Disney+. Como se não fossem poucos os desafios, os festivais de cinema não devem ocorrer em 2020. Eles são importantes fóruns de negociações de financiamentos e direitos, além da promoção dos filmes em fase de lançamento.
Ainda do lado da oferta, ocorreu uma interrupção de filmagens, a qual deverá perdurar por vários meses. Uma rubrica importante de uma produção é o seguro por acidentes de elenco e técnicos. Imagino que o custo destas apólices seguirá alto até o momento que a Covid-19 seja considerada controlada. Esta data pode estar a vários meses de distância e, quando ocorrer, existirá uma limitação de técnicos e datas de lançamento para dar vasão as produções.
Na dimensão do comportamento, existe a questão do tempo necessário para que os espectadores retornem as salas, seja por temores sanitários ou pela quebra do hábito de frequentar cinemas por vários meses. Fica ainda a questão do percentual de cinéfilos que migrarão de forma mais definitiva para as OTTs.
Nas OTTs, fica a pergunta de como captar novos financiamentos para empreendimentos que tem retorno financeiro incerto, em um momento de crédito global restritivo. Em aberta também está a resposta sobre quais serão os sobreviventes na escolha dos espectadores. Existem várias dezenas de ofertas, quando pesquisas preveem que cada consumidor se limite a assinar dois ou três serviços, de forma recorrente.
A plataforma de TV por assinatura já vinha sofrendo erosão da base antes da Covid-19. O papel de “babá eletrônica” dos canais infantis foi perdido para o YouTube. O valor dos filmes sem intervalos comerciais diminuiu com a oferta das OTTs. Restou o esporte, o qual também parou desde março em todas as suas modalidades e o das notícias, que, apesar de ter claro valor e audiência neste momento, encontra resistência histórica da parte dos anunciantes, preocupados com a incerteza de estar em um break antecedido por uma notícia muito negativa. No Brasil, a TV por assinatura nunca criou oferta acessível às classes mais baixas e vem perdendo assinaturas para as OTTs, nas classes mais altas. Resta o negócio de distribuição banda larga, o qual pode ser ameaçado com a maturação das redes de 5G.
As TVs abertas campeãs de audiência já vinham sendo impactadas pela dificuldade de atrair e reter o espectador com menos de 50 anos. O único atrativo que seguia sólido era o de grandes eventos esportivos ao vivo. Com o cancelamento da Olimpíada, interrupção dos campeonatos e torneios de todas as modalidades, a contribuição dos esportes para a receita das TVs em 2020 será uma pequena fração do orçado até fevereiro 2020. Soma-se o fato inédito da interrupção das produções, forçando as emissoras a reinventar suas grades com reprises.
Temos como alternativa o social vídeo nas mídias sociais. Aqui existe a oportunidade de desintermediação com o anunciante sendo também o criador do conteúdo, contraposto ao desafio comum a todas as redes sociais de ter cobertura, mas baixo alcance individual em função da pluralidade da oferta, aliado ao desafio em manter comunidades de espectadores engajados no seu conteúdo.
Todos os meios deverão se adaptar e sobreviver, ou não. O Cirque de Soleil reinventou o circo em 1984. Recentemente, dispensou todo o seu casting e está sob risco de falência.
“Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem”, afirmou Vladimir Ilyich Ulianov (Lênin).
*Crédito da foto no topo: Storm Clouds/ Pixabay
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