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Sensações estranhas no trabalho

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Opinião

Sensações estranhas no trabalho

É preciso se livrar da bola de ferro que carregamos nas pernas para pensar em mudança de vida


2 de março de 2018 - 7h00

Mauro Segura: “Me vejo em reuniões onde eu sou o único de cabelo grisalho” (Crédito: jacoblund/iStock)

 

Semanas atrás eu me encontrei com um ex-colega de trabalho e quase não o reconheci. Peguei-me pensando mais ou menos assim: “puxa, ele era tão cabeludo… engordou… tá mais velho… bem diferente daquele cara com quem trabalhei”. Adorei a conversa com ele, voltamos no tempo, relembramos histórias. Por alguns instantes nos rejuvenescemos. Dias depois, ao me lembrar do encontro, me dei conta do que ele poderia ter pensado sobre mim. Eu também envelheci, estou mais ranzinza, com manias e com menos cabelos… que estão grisalhos 🙂

Olhar no espelho tem sido uma experiência para mim. Às vezes, não me reconheço. Aonde foi aquele cara mais jovem, que ainda está dentro de mim, mas em outro corpo? Por que vejo pessoas jogando futebol e ainda sinto vontade de entrar em campo e dar aquele pique de antigamente? Por que este descasamento entre mente e corpo? Isso acontece rotineiramente em todos os momentos e lugares, em casa, no escritório, onde for.

Tenho sentido sensações estranhas no trabalho. Eu não estou certo, mas acho que sou o mais velho de idade do time executivo da empresa onde trabalho. No entanto, não me sinto o mais velho daquele grupo, a minha cabeça não entende isso. Tenho as mesmas reações do início de minha carreira profissional quando me chamam para um projeto diferente: sinto um tremendo entusiasmo, mas carregado de insegurança, da recorrente sensação de que eu não estou preparado para aquilo e que não terei condições de entregar o que esperam de mim. Curiosamente, tais sensações me fortalecem, passo a exigir mais de mim, com mais dedicação e determinação. São conflitos que carrego comigo desde a adolescência.

Coisas acontecem. Na maioria das vezes, parece que eu consigo ver algumas coisas que outros não veem, e não são fantasmas. 🙂 Em várias ocasiões, ao participar de reuniões e times de projeto, tenho a clara sensação de que já vivi aquela situação antes e que sou até capaz de prever o futuro, ou minimamente antever possíveis desdobramentos ou alternativas para sequência daquele projeto. Enquanto no passado eu precisava levantar a mão para falar numa reunião, hoje as pessoas desejam me ouvir, muitas vezes sem nenhuma sinalização de minha parte. Me vejo em reuniões onde eu sou o único de cabelo grisalho, mas também o único de camisa Hering no escritório – é meu uniforme quase oficial, adoro Hering 🙂 – confortavelmente despreocupado com a imagem que as pessoas vão fazer de mim. Anos atrás, eu contei isso tudo para um amigo querido, executivo de longa data, e ele me disse: “Mauro, eu sei o que é isso”. Olhei para ele, curioso, esperando pela resposta. Ele concluiu: “Isso se chama experiência, você chegou na sua maturidade profissional”. Desde então passei a olhar essas sensações estranhas de forma diferente.

Os anos me fizeram compreender melhor o que é essa tal experiência. Aprendi que é algo que dá musculatura para a carreira, dá conteúdo, encorpa o currículo, cria bagagem para avaliações e decisões mais embasadas, mas também carrega preconceitos, um pouco daquele “eu sei que o que vai acontecer” por conta das cicatrizes nas costas, talvez até alguns momentos de arrogância e empáfia. Ter consciência desses extremos é importante.

A experiência me gerou a necessidade de ser mais paciente e aberto. Às vezes, alguns colegas pedem minha opinião a respeito de projetos. Raramente sou assertivo nessas horas, especialmente quando tenho críticas e vejo obstáculos à frente. Tento ser comedido nas minhas colocações, evitando ser rude e procurando estar atento para não enterrar projetos usando palavras inadequadas. Em determinadas circunstâncias a minha experiência aponta que determinado projeto não vai dar certo, vai dar água porque está nascendo errado. Nesses casos, eu procuro contribuir com algumas perguntas ou alternativas que podem reverter o fracasso iminente do projeto, mas sempre evitando ser reativo. Procuro privilegiar o propósito do projeto, colocando foco mais no fim do que nos meios. E assim vamos levando, me permitindo chegar perto de pessoas diferentes de mim.

Procuro me aproximar dos mais jovens… de idade, de espírito, de conhecimento e de esperança. Procuro aqueles que querem construir algo novo. Aí me permito fazer o que mais gosto, que é ouvir. Gosto mais de ouvir do que falar, apesar de o tempo ter provocado mudanças na minha personalidade. De um jovem tímido e introspectivo, me transformei num adulto que aprendeu a falar sem medo. Passei muitos anos de vida com medo de falar… com receio de abrir a boca em reuniões e de dar opiniões até de falar em público. Apesar dessa sensação ainda surgir algumas vezes, esse temor diminuiu muito. Hoje, eu consigo falar o que penso, quase sem sofrimento. O tempo tratou dessa minha mudança, quase que naturalmente, mas confesso que meu autoconhecimento também ajudou, já que sempre tratei essa dificuldade como algo que eu precisava melhorar muito. No fundo, eu me ajudei, buscando me expor mais. Talvez esse comportamento é que tenha me levado a explorar mais as mídias sociais, onde posso me posicionar, mas também posso ouvir muito.

Estou cansado dos “donos da verdade”. Cada ano que passa eu me torno mais impaciente com os velhos teimosos, não de idade, mas de espírito e ideias. Meu limite também tem diminuído com os jovens que “sabem tudo” mas têm experiência zero, com colegas que não têm tempo para conversar, com os chatos em geral e com pessoas que falam muito, mas fazem pouco. Meu amigo diria: “É a experiência”. Talvez seja realmente isso. Minha cabeça me empurra para coisas que acho que valem o meu tempo. Participar de uma reunião chata ou me jogar num projeto novo? Estudar uma regra administrativa de pouco valor ou ler um livro legal? Me deixar consumir pela máquina de moer que todo trabalho carrega ou sair para um evento e conhecer pessoas novas e interessantes? As tomadas de decisão têm sido mais claras com o passar dos anos. Cada vez tenho mais consciência do que vale a pena, mesmo que outras pessoas pensem diferente. O segredo é o equilíbrio.

Se tem uma coisa que a experiência tem me ensinado, é dizer “não”. E isso é libertador. O importante não é a negativa em si, mas ter a coragem de abrir mão das coisas, às vezes, de boas oportunidades, para se manter fiel a um propósito ou apenas para preservar a paz interior. Isso exige consciência dos meus potenciais, virtudes, limitações, deficiências, interesses e objetivos. Também exige coerência com os meus valores e crenças. E aí não tem jeito, o número de quilômetros rodados faz muita diferença. Quanto mais eu vivo, mais eu me conheço. A experiência dá o estofo necessário para esse autoconhecimento mental e físico, nos provoca um repensar constante, emergindo uma pergunta que martela na minha cabeça o tempo todo: a vida que estou levando é aquela que realmente me faz feliz? O que posso e devo mudar?

Quando somos jovens, nós normalmente optamos pelas estradas que surgem à nossa frente, somos inquietos e nos permitimos mudar de caminho o tempo todo. Quando somos mais velhos, eu tenho a impressão de que nós queremos fazer a nossa própria estrada, abrir a picada para construir um caminho mais perene, não mais escolher somente o que temos nas mãos, mas forjar o que sonhamos, simplesmente porque a experiência nos dá mais consciência do que realmente almejamos e daquilo que nos faz bem, para o corpo e alma. É por isso que me pego pensando em coisas que nunca haviam me passado antes na cabeça. Me permito pensar em mudar de profissão, abandonar tudo que faço hoje e partir para outra, entrar numa universidade para estudar história, antropologia, quem sabe? Começar uma nova carreira, sem apego pelo passado, em outra cidade, em outro país… isso tudo roda na minha cabeça. Isso me provoca dois comportamentos distintos: uma sensação de que preciso retirar as âncoras que me prendem às coisas e um desafio constante de desaprender.

É preciso se livrar da bola de ferro que carregamos nas pernas para pensar em mudança de vida. Isso significa trabalhar o lado material, aquele que me faz ficar preso ao emprego ou à cidade, mas também o lado mental, que, às vezes, é o lado mais forte, porque carrega sentimentos de insegurança e fraqueza. Isso tudo está intimamente conectado à família, amigos e laços sentimentais. Amo minha família e esse sentimento tem profundo peso em minhas decisões. Trabalhar a equação é um exercício constante de desapego.

O desafio maior é o de desaprender. No início foi difícil para mim, porque o senso comum aponta para o contrário: cada vez que eu aprendo, eu acumulo conhecimento, fico mais sábio e tenho mais certeza sobre as minhas decisões. É assim que entendemos a jornada do aprendizado contínuo: um processo virtuoso. Na época em que vivemos essa não é necessariamente uma afirmação verdadeira. Para a minha transformação como pessoa e como profissional, eu tenho que desconfiar o tempo todo do meu senso, das minhas certezas e dos meus dogmas. Fico me digladiando internamente em várias situações, onde o meu aprendizado de vida aponta para uma direção, e outras pessoas querem me levar para outra. Nessas horas, eu procuro ouvir mais, tento desconstruir alguns conceitos que carrego comigo e tento ser mais humilde em minhas opiniões e certezas. Adoro a palavra “desaprender” porque ela diz muita coisa.

Assim vou vivendo. Ironicamente mais experiente, porém, com mais incertezas e inseguranças, querendo aprender desaprendendo, com o corpo mais velho, procurando rejuvenescer a mente, cercando-me de pessoas mais jovens, perguntando mais do que respondendo, agradecendo pelo que a vida oferece, e tentando imaginar que tenho um caderno em branco para escrever sempre uma nova história.

 

* crédito da imagem no topo: GraPro/iStock

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