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Opinião

Será o fim da geração de valor para acionistas como meta única?

Um mundo que por décadas se transformou lentamente, terminou por definir verdades e critérios e ignorou consequências que, agora, estão visíveis


1 de outubro de 2019 - 14h00

(Crédito: iStock/ Sorbetto)

A Business Roundtable é uma associação sem fins lucrativos que reúne CEOs de empresas americanas com mais de US$ 7 trilhões em receita anual. Fundada há mais de 45 anos, seus membros se propõem a “aplicar suas experiências como CEOs nos principais problemas enfrentados pelos estados americanos se unindo a comunidades, trabalhadores e formuladores de políticas públicas para construir um futuro melhor para a nação e seu povo”. Considerando que estamos vivendo hoje, no mundo todo, do ponto de vista social, cultural e ambiental, os efeitos das decisões tomadas por essas corporações e as consequências de sua influência nas políticas públicas americanas, me sinto à vontade em afirmar que o propósito desse grupo de líderes de contribuir para a construção e um futuro melhor, até este momento, não deu exatamente certo.

De fato, até hoje, a Business Roundtable sempre defendeu políticas favoráveis aos negócios a partir de um modelo não colaborativo, baseado na ideia de que, para alguém ganhar, alguém tem que perder, o que, na prática, significou a adoção de metas de resultado desvinculadas de qualquer preocupação real com o dano causado pelo caminho. Em 1997, dez anos depois da publicação pela ONU do primeiro documento a trazer o conceito de desenvolvimento sustentável a debate público, a Business Roundtable declarou que as empresas existem, principalmente, para servir seus acionistas. É um conceito conhecido por todos e que trouxe à luz um modelo de gestão que ignorou o valor de discussões relacionadas à geração de impacto envolvendo procedência de insumos, condições de trabalho, danos ambientais e responsabilidade sobre a geração e destinação de resíduos.

Há algumas semanas, vinte e dois anos depois, a Business Roundtable anunciou uma grande mudança em sua política declarando que as empresas existem para “criar valor para todos os seus stakeholders”. Entre os líderes que assinam esse novo posicionamento, Mary Barra, da General Motors, Jeff Bezos, da Amazon, Tim Cook, da Apple, Corie Barry, da Best Buy, Brian Moyhinan, do Bank of America, Denis Muilenburg, da Boeing, e Julie Sweet, da Accenture. Não se trata de uma afirmação qualquer. A mudança de perspectiva proposta pelos membros da Business Rountable coloca todo um modelo em xeque e pede muito mais do que intenção e força de vontade para ser colocada em prática.

Lawrence Summers, ex-presidente da Universidade de Harvard e ex-consultor econômico do presidente americano Barack Obama, publicou um artigo no Whashington Post ressaltando que o posicionamento apresentado pela Business Roundtable é extremamente significativo e representa “o reconhecimento pelos principais executivos de que eles precisam olhar além da métrica estreita do preço de suas ações”. Summers afirma que “se a Business Roundtable levar a sério o capitalismo das partes interessadas e se as empresas responsáveis florescerem e espalharem seus benefícios, ela não apenas decretará princípios segundo os quais suas empresas irão operar mas também pressionará o surgimento de leis e regulamentos que suportem a capacidade das empresas de permanece permanecerem firmes em seu propósito de trabalhar por todos os seus stakeholders. Isso pode incluir requisitos de salário mínimo e benefícios e mandatos mais amplos para proteger as empresas que desejam fazer o certo por seus trabalhadores daquelas empresas concorrentes que buscam implacavelmente os interesses dos acionistas. Ou pode incluir restrições rigorosas às práticas de publicidade e promoção para que as empresas honestas e transparentes não sejam colocadas em desvantagem competitiva. Ou padrões de capital universalmente altos nas instituições financeiras para que a disposição imprudente de correr riscos não seja aceita como uma vantagem competitiva”.

A discussão que está colocada não é simples. Muitas perguntas estão na mesa, algumas delas citadas por Summer em seu artigo, como a relação entre CEOs e acionistas; o tempo necessário para que as empresas sejam capazes de responder a uma perspectiva de negócios baseada na geração de valor compartilhado; o posicionamento dos CEOs em relação a ações políticas que ofendam os valores essenciais de seus stakeholders (incluindo comunidades, funcionários e consumidores); a relação das empresas com a velocidade de adoção de inovações disruptivas que têm como consequência o desemprego, além da necessidade de desenvolvimento de legislações capazes de assegurar a implementação de novos processos; e, mais que tudo, a necessidade de revisão do significado e das métricas que hoje definem o que é sucesso. Entre especialistas em sustentabilidade que vêm discutindo esse assunto seriamente há mais de trinta anos, não faltam críticas à demora dos maiores líderes globais em trazer essa discussão à tona com a responsabilidade necessária. Para eles, o posicionamento adotado neste momento pela Business Roundtable revela o atraso no cumprimento de metas de sustentabilidade que há muito vêm sendo discutidas mas, nesse caso, prefiro a reflexão do ex-presidente de Harvard sobre a urgência de nos perguntarmos o que precisa ser feito para que consigamos seguir na direção correta daqui para frente.

É importante lembrar que construir valor para acionistas como meta única e independentemente de eventuais danos causados pelo caminho, por muito tempo, definiu a forma de agir dos negócios. Junto com essa visão, um mundo que por décadas se transformou lentamente, exigindo pouca adaptação das empresas, terminou por definir verdades e critérios de tomada de decisão que geraram potência ignorando consequências que, agora, estão visíveis, exigindo uma revisão urgente de modelos. O novo posicionamento dos membros da Business Roundtable precisa ser visto com seriedade e, sem dúvida alguma, é só o começo.

*Crédito da foto no topo: Reprodução

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