Sobre criar unicórnios e monstros
Por que o transgressor ainda é um sujeito tão atraente aos olhos de alguns, enquanto o que é pontual, correto e justo não inspira tanto carisma?
Por que o transgressor ainda é um sujeito tão atraente aos olhos de alguns, enquanto o que é pontual, correto e justo não inspira tanto carisma?
Em pleno 2022, há espaço ainda para os entusiastas da “Lei de Gerson”? No auge do compliance, ou seja, momento em que grandes empresas estão investindo mais e mais em recursos e sistemas que minimizem, se possível a zero, as possibilidades de se cometer desvios éticos, aqueles que têm como esporte encontrar maneiras de se obter vantagens acima de qualquer coisa devem ser tolerados?
Por que o transgressor ainda é um sujeito tão atraente aos olhos de alguns, enquanto o que é pontual, correto e justo não inspira tanto carisma?
São tantas as perguntas, não é mesmo? O triste é que, surpreendentemente, essas questões ainda fazem sentido nos dias atuais.
O fundador da gigante e mais famosa desenvolvedora de eletrônicos, reconhecida, principalmente pelo design de seus aparelhos, deixou um legado incontestável e sua obra dispensa apresentações. No entanto, o mega empreendedor também era conhecido por eventualmente ignorar a linha ética, lançando mão da velha máxima de que “os fins justificam os meios.”
Walter Isaacson, no best seller que contou a história do empresário inspirador, escreveu, em um dos trechos do livro que “Ele sempre achou que as regras que se aplicam às pessoas normais não valiam para ele.”
Não é o único culpado. É só o mais famoso, talvez. Seus discípulos (e os discípulos de muitos outros super empresários de atitudes duvidosas) estão por aí aos montes, lançando suas startups, consolidando-as, inclusive, e almejando, um dia, conquistar a representação que inspira a publicação editorial de grandes biografias.
Mas, poxa, o legado antiético tem que ser levado a diante?
Se olharmos para o nicho da ética nas relações comerciais, o susto pode ser ainda maior. Aliás, susto, não. Choca, mas não surpreende (para ficarmos no mundo dos memes).
Chega a ser de uma ingenuidade sem tamanho. Mesmo com todo esse movimento das grandes multinacionais (que são referências e ditam o comportamento de todo o mercado) que, como já citado, investem milhões para garantir que todo o ecossistema empresarial esteja de acordo com as linhas éticas, executivos de vendas ainda se portam como se estivessem negociando numa arena sem lei.
Por se acharem tão modernos, como ainda agem de maneira tão démodé? Está aí a maior incoerência.
Toda empresa é voltada a resultados e performance. Seus lucros devem ser originários dos esforços coletivos e não de um dinheiro que vem fácil, de um atalho. Afinal, um comportamento inadequado, de um colaborador ou colaboradora, e até da própria liderança da empresa, pode trazer consequências avassaladoras para o negócio, como também para a sua imagem e a sua reputação.
Respondendo à questão que encerra o primeiro parágrafo, NÃO, não devemos tolerar comportamentos que não estejam dentro dos padrões éticos da sociedade. Esses padrões podem ser atualizados? Claro, mas que continuemos éticos. Que as concorrências sejam vencidas com propostas criativas, execuções primorosas e que gerem valor para os clientes e não por meio de práticas comerciais falsas ou de contratações de profissionais de empresas concorrentes a fim de garantir que o negócio cresça a qualquer custo.
E, SIM, as regras para pessoas “normais” devem ser seguidas mesmo por aqueles que são geniais em suas ideias e ideais. É preciso fazer valer as regras do compliance, assegurar que todos os colaboradores tenham conhecimento das diretrizes da empresa, promover trocas sobre o que é permitido e o que é fora da lei, passível de punição.
Os colaboradores ou parceiros que reportam situações suspeitas, práticas comerciais indevidas, não devem receber retaliação, mas sim serem valorizados e respeitados por suas condutas éticas, pelo seu compromisso com negociações não aceitáveis.
Ou seja, as gigantes do mercado, com todo o cascateamento comportamental que provocam, precisam garantir que os mecanismos que desestimulam o ato antiético sejam uma realidade no dia a dia. O discurso é lindo, mas se não há um comprometimento, principalmente, de suas lideranças, não há sistema antimolecagem que se sustente.
A palavra é lei e não há unicórnio na Terra que deva ser construído colocando apenas o interesse individual acima do coletivo.
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