Sobre tudo que não vamos encontrar no SXSW
Na ânsia de buscar o novo deixamos vários assuntos não resolvidos para trás
Na ânsia de buscar o novo deixamos vários assuntos não resolvidos para trás
Chegou aquela época do ano. Profissionais de todas as áreas embarcaram para Austin ávidos por tendências, novas ondas de comportamento, as últimas novidades da inteligência artificial e tudo que vai ser assunto nos próximos tempos. Faz sentido. A propaganda, mais do que qualquer outra indústria, se alimenta do novo. Da moda. Das novas terminologias – quase sempre em inglês porque assim parece que tem mais autoridade – que habitarão as palestras e ppts pelos próximos meses. Nada contra.
Claro que imaginar o que vem pela frente é importante. Senão os filmes de ficção não seriam o sucesso que são e as palestras da futurista Amy Webb não estariam sempre entre as mais concorridas no SXSW. Mas na ânsia de buscar o novo deixamos vários assuntos não resolvidos para trás. E, como na terapia, muitas vezes as questões não resolvidas no nosso passado vão ter um impacto profundo no que vai acontecer lá na frente.
E tem questões bem importantes que não são o foco principal do SXSW e pelo jeito vão continuar na fila de espera.
A participação feminina
Enquanto muita gente discutia o impacto do Apple Vision Pro e da realidade estendida lá no Texas, uma realidade muito menos glamourosa segue sem solução por aqui. Mulheres ainda ganham menos, têm menos espaço e estão em menos posições de liderança. O assunto, claro, não é novo. Esses dias li num artigo da Laura Florence que o Fórum Econômico Mundial lá em 2022 já mostrou que ainda vai levar mais de um século para fechar a lacuna global de gênero. O que mudou desde então? A briga é por espaço, visibilidade e contra o machismo estrutural.
Todo mundo conhece alguma história e eu mesmo tenho um exemplo aqui em casa. Anna, minha esposa, foi demitida um dia antes de voltar da licença maternidade. Não bastasse esse absurdo, o chefe, que era um babaca, ainda usou como desculpa a frase “Ah, mas o seu marido ganha bem. Você nem precisa do emprego”. Sim, esse tipo de coisa ainda existe.
O dilema das concorrências
Enquanto se discute como a inteligência artificial vai ajudar a deixar o trabalho cada vez mais eficiente, pouca gente fala sobre o modelo altamente ineficiente das concorrências. Prazo de menos e agências demais não é uma equação saudável. E falando em equação, parar uma equipe da agência (e por efeito cascata muitas vezes das produtoras) para trabalhar de graça não é financeiramente viável e nem conceitualmente coerente com anunciantes que costumam fazer campanhas bonitas sobre ESG. Isso quando os processos não são interrompidos ou mesmo decididos sem nenhuma explicação. De novo, o problema não é novo.
A questão do etarismo
E para mim o mais emblemático e o menos falado dos assuntos: o etarismo. Porque as mulheres também vão ficar velhas. Brancos, pretos, pardos, hispânicos, orientais e indígenas todos vão envelhecer. Homos, heteros, gays, lésbicas, trans, cisgêneros, PCDs, ninguém vai escapar de ver a idade chegar. Equipes de agências que se submetem a concorrências não remuneradas e as que não entram, pessoas legais e os babacas como o que demitiu a Anna também vão envelhecer. O que fazer com todo esse povo? Aposentadoria sumária?
Eu sei, eu sei. Falar de discriminação por causa da idade não é tão glamuroso e nem gera tanto hype – lembra do que eu falei sobre os termos em inglês? – quanto outros temas da moda. Mas fingir que o problema não existe não vai fazê-lo desaparecer.
Aproveitando o clima de SXSW, não tem inovação maior do que resolver problemas. E temos muitos “velhos problemas” esperando na fila antes de tentarmos resolver os novos. E para quem só acredita no que vem lá do Texas, fica a dica: quando quiser falar de futuro, faça como o próprio South by Southwest e chame uma quase cinquentona como a Amy Webb.
Compartilhe
Veja também