Trump: mais um furo das pesquisas?
Talvez nossa maneira de medir o “impacto” de uma campanha também esteja correndo o risco de ficar rapidamente desatualizada
Talvez nossa maneira de medir o “impacto” de uma campanha também esteja correndo o risco de ficar rapidamente desatualizada
A vitória de Trump é mais um sintoma da profunda insatisfação do cidadão médio com a distribuição desigual das benesses da globalização, potencializada pelas novas formas de produzir e distribuir informação além do controle das instituições tradicionais (e dos departamentos de marketing das grandes corporações). E ela traz uma advertência: talvez nossa maneira de medir o “impacto” de uma campanha também esteja correndo o risco de ficar rapidamente desatualizada.
Em 1974, a cientista política Elisabeth Noelle Neumann propôs uma teoria pela qual as pessoas muitas vezes teriam medo de expressar opiniões contrárias a maioria por medo de sanções sociais ou constrangimento (a chamada “espiral do silêncio). Isso explicaria algumas surpresas quando elas podem se manifestar sem medo, como por exemplo na cabine eleitoral. Em um mundo no qual a “opinião pública” era praticamente igual a “opinião que se publica”, as organizações de mídia tinham um papel preponderante em filtrar e “construir” essas maiorias percebidas (essa é outra teoria, mais antiga ainda, conhecida pelo nome da agenda-setting).
A possibilidade de cada pessoa produzir e divulgar sua opinião nos meios digitais talvez esteja levando a uma modificação da “espiral do silêncio”: pessoas com pontos de vista radicais se agrupam de forma muito mais fácil do que antes (por favor, notem o “talvez”: ainda precisaremos de muitos outros pontos de observação para concluir isso). E dada a explosão no volume de informação em geral, elas vão se aglutinar ao redor das opiniões que têm maior visibilidade. Essa concentração, por sua vez, influencia os algoritmos que governam o conteúdo ao qual vamos ser expostos, que passam a nos mostrar exatamente as informações que queremos ouvir.
O resultado é que as opiniões mais visíveis tendem a ser as mais “radicais”, e elas se espalham com uma velocidade muito mais rápida, gerando um volume de informação muito maior. Essa combinação contribui para produzir uma maior volatilidade das opiniões, o que explica algumas “surpresas” que não foram adequadamente detectadas pelas pesquisas tradicionais: a virada eleitoral de Netanyahu em 2015, o Brexit, a vitória de João Dória no primeiro turno, a votação contra o acordo com as FARC na Colômbia e agora a eleição de Trump. Vale lembrar que em todas essas circunstâncias os resultados foram decididos por uma pequena margem, dentro do que poderia ser estatisticamente defensável. Mas é um fato que pessoas tendem a ser mais sinceras quando se manifestam de forma online do que cara-a-cara (ou via telefone) com um pesquisador (segundo estudo apresentado pelo Ibope na Conferência Latino Americana da Esomar em 2015).
A única pesquisa que consistentemente apontou Trump na frente de Hillary foi a do Los Angeles Times / Universidade do Sul da Califórnia. Não por acaso, ela utiliza um painel que é consultado e re-balanceado continuamente, não somente com base em dados sócio-demográficos mas também comportamentais, registrados através da internet. Claro que no Brasil ainda estamos distantes desta realidade, com raras exceções (como, por exemplo, na cidade de São Paulo, onde a maioria da população utiliza a rede de forma regular). Mas se sua marca é preponderantemente exposta e consumida por um público intensamente “digitalizado”, é hora de começar a pensar em métodos híbridos para avaliar a eficiência de suas campanhas (combinando, por exemplo, mídia programática com amostragem tradicional). Talvez os resultados possam te surpreender…
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