Um convite para (re)pensar a publicidade
Caso os bastidores da campanha de L’occitane Au Brésil revelem que tudo não passou de uma estratégia previamente articulada, temos aqui pontos para (re)pensar a publicidade
Caso os bastidores da campanha de L’occitane Au Brésil revelem que tudo não passou de uma estratégia previamente articulada, temos aqui pontos para (re)pensar a publicidade
O caju invertido da recente campanha de L’occitane Au Brésil nos convida a (re)pensar as decisões e práticas publicitárias. Se tudo isso é fruto (com trocadilho) de uma estratégia previamente planejada para ganhar mídia espontânea, alimentar os algoritmos das redes, para aumentar a entrega das peças de lançamento do produto, precisamos nos perguntar: tudo vale para vender? Até mesmo montar um cajueiro com folha de amoreira e o fake ser justificado quando o resultado financeiro se torna real? Parece que não só o caju está de cabeça para baixo em nosso mercado.
Caso os bastidores da campanha revelem que tudo não passou de uma estratégia previamente articulada, temos aqui pontos para (re)pensar a publicidade. Se o caju invertido foi uma decisão consciente, temos uma escolha que legitima a mentira como estratégia publicitária. Ficaria configurada uma opção da marca a definição de uma estratégia em que a desinformação proposital é caminho válido para gerar audiência.
Esta decisão pode ter sido tomada para “esquentar” os algoritmos e entregar com mais alcance o conteúdo de lançamento do produto. Uma prática um tanto quanto adversa em tempos em que se exige autenticidade das marcas. Há, de fato, neste desenho de suposto planejamento, um conhecimento aprofundado sobre a dinâmica e o comportamento do consumidor em meio digital. Contaram que seriam “descobertos” em seu “erro” – ou armadilha – e que a audiência espalhando a “denúncia” ajudaria a repercutir exponencialmente a marca e o seu produto na rede. O que soa algo bastante desmedido, sobretudo quando estamos diante de um processo em que há um convite para “desmarketizar”.
Levanto aqui uma questão. Se o caju não fosse o símbolo de uma região brasileira que o próprio Brasil desconhece, será que fariam igual “brincadeira” estratégica? Um símbolo do eixo Rio-São Paulo seria alvo de manipulação estética intencional e ficaria tudo bem?
Porém, se toda essa inversão tiver sido fortuita, se realmente decidiram montar esse cajueiro cenográfico sem ao menos pesquisar o fruto e sua árvore, continuamos tendo um problema grave. Seria o mínimo reproduzir artificialmente em estúdio o melhor simulacro possível. Mas, ao que parece, podem ter preferido deduzir para decidir. Deduzir a partir do seu ponto de vista também não parece ser um dos melhores caminhos para a publicidade. E, sendo mais pertinente, por que motivo o cajueiro é cenográfico se o produto se orgulha de ser natural?
Se a verdade por trás da campanha for a do erro por desconhecimento é um exemplo de como símbolos revelam preceitos e normas que residem submersos na estrutura de uma dada cultura, que só é capaz de enxergar a si mesma. Ao apenas deduzir que assim nascem os cajus, a marca indica que escolheu esta estética, mesmo sem saber se era a correta, por denotar uma visão em que a realidade não parece ser assim tão sedutora o suficiente para vender. É a legitimação do fake, do que eu acho, assumido como minha verdade personalizada. É uma espécie de POV de como nascem os cajus. Assim, a campanha simbolizaria uma visão distorcida que se tem sobre nossos vários Brasis.
O Nordeste por vezes é visto como um espaço único, sem que se pense as diferenças internas da região. Isso faz com que muitos deduzam o Nordeste. Apenas deduzir, não nos permite conhecer de fato. Ao que parece, há uma má vontade do mercado em fazê-lo. Uma certa preguiça, que pode implicar em resultados polêmicos como os vistos sobre a campanha. Um Nordeste cenográfico, como o que vemos representado no caju amarrado com nylon em caules de amoreira. Aqui ocorre o fenômeno que chamo de enxertos culturais, que presenciamos aos montes em nossa sociedade, onde eu pego um pouco da cultura que me é alheia, mas interessante naquele momento, e insiro o que me convém.
Vale tudo por resultados e vendas? Estratégias criativas podem flertar com a mentira? Essa é a discussão. Os símbolos envolvidos nesta campanha falam sobre o que queremos e aprovamos como práticas lícitas ou ilícitas na publicidade. E o quanto topamos isso como sociedade.
O que se precisa acordar é que os melhores produtos da publicidade deveriam ser coerência e ética de marca. E uma prática publicitária que se faz para pessoas. E não usando as pessoas como dados para “alimentarem” algoritmos.
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