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Opinião

Um “reset” para o marketing de dados?

Estamos diante de uma oportunidade para as áreas de marketing conquistarem maior relevância perante os CEOs, CFOs e conselhos, mas, para isso, é necessário que os profissionais do setor saibam demonstrar o valor dessas informações


26 de agosto de 2020 - 10h46

(Crédito: Irina Strelnikova/ iStock)

O fluxo de dados resultante da aceleração do uso da tecnologia nas atividades de lazer, trabalho e consumo não vai se reverter com o fim da pandemia, por mais rápido que ele venha. Por exemplo, nas regiões da Europa e EUA que já reabriram suas lojas, as vendas pela internet mantiveram-se próximas ao patamar dos momentos de quarentena mais rigorosa, e nada indica que será muito diferente por aqui. Neste mesmo movimento, diversas marcas incrementaram suas vendas diretas e o setor de meios de pagamento também acelera cada vez mais rumo ao digital — é sintomático que, nas últimas semanas, o Mercado Livre tenha ultrapassado a Vale em termos de valor de mercado.

Estamos diante de uma oportunidade para as áreas de marketing conquistarem maior relevância perante os CEOs, CFOs e conselhos. Mas, para isso, é necessário que os profissionais do setor saibam demonstrar o valor dessas informações para além da simples aquisição ou retenção de consumidores, ocupando o centro da estruturação de novos processos organizacionais.

Em Reinventing Capitalism in the Age of Big Data, Viktor Mayer-Schonberger (Oxford) e Thomas Range (correspondente de tecnologia da The Economist) propõem a ideia de que, no futuro, os mercados serão criados ao redor de fluxo de dados, e não somente de capital financeiro ou commodities. De forma análoga, acredito que as estruturas organizacionais serão cada vez mais moldadas (e avaliadas) em função da sua capacidade de potencializar o uso desses fluxos dentro das empresas.

O primeiro passo para o marketing assumir esse protagonismo é sairmos da nossa bolha de utilização dos dados “somente” para compreender/antecipar o comportamento do consumidor, entendendo como outras áreas podem utilizar a informação para gerenciar riscos (financeiros, legais, operacionais), reduzir custos ou criar/participar de outros ecossistemas de negócios.

Um dos melhores exemplos para o gerenciamento de risco é o da Ant Financial, o braço financeiro do Alibaba. Criada no final de 2014, a empresa surgiu com base nos insights gerados pelos consumidores do maior marketplace da Ásia. Monitorando o volume de vendas e as avaliações dadas para cada vendedor, a empresa construiu um modelo de análise de crédito muito mais eficiente em termos de custos e assertividade do que os dos bancos tradicionais, o que possibilitou oferecer empréstimos com taxas e volumes que não seriam lucrativos para os outros integrantes do sistema financeiro chinês (na prática, criando um novo ecossistema de negócios). As informações sobre as pessoas físicas serviram também para a empresa oferecer para os participantes do marketplace uma série de outros serviços, como previsões de demanda, programas de fidelidade, seguros saúde etc. Construída inteiramente em cima de dados gerados pela sua própria base de usuários, a oferta pública inicial da Ant está avaliada em cerca de US$ 200 bilhões.

De forma análoga, informações sobre tendências de consumo, formas de uso e avaliação de produtos podem ser de grande valor para áreas como logística ou suprimentos. Até mesmo informações que não têm muito valor para o marketing, de um ponto de vista mais imediato como, por exemplo, sobre produtos que não despertam nem grande entusiasmo nem grande repulsa nas avaliações dos consumidores, podem gerar ganhos expressivos para outras áreas — a Avon, por exemplo, reduziu em US$ 43 milhões seus custos logísticos cortando produtos deste tipo —, embora eu reconheça que a iniciativa não deva ser muito popular entre os gerentes de produto.

Departamentos de marketing que seguirem achando que sua missão, do ponto de vista da informação, é “apenas” coletar, classificar, analisar e atualizar os dados sobre o comportamento dos consumidores, estão fadados à irrelevância. Sim, sei que isto não é pouco e que a verba está cada vez mais curta, mas tornar essa informação estratégica para outras áreas é exatamente a maneira de conseguir mais recursos. Isso exige entender quais usos outras áreas importantes da empresa podem fazer desses mesmos dados.

O momento é propício: a crise da Covid-19 é uma daquelas raras ocasiões que fazem as pessoas abandonarem seus hábitos, ainda que momentaneamente. Pode ter certeza que gestores de outras áreas da empresa estarão mais dispostos a escutar e colaborar com qualquer iniciativa que possa gerar sinergia e transformar dados em valor — aliás, neste processo, pode ser que você descubra também que outras áreas possuem dados “escondidos” que contribuem para algum processo de marketing. E não adianta achar que isto é responsabilidade da sua área de tecnologia. Ela não vai liderar esse processo durante um bom tempo: nos próximos anos, estará ocupada com questões de segurança e infraestrutura, com a migração de parte expressiva dos funcionários para o home office e a chegada do 5G.

Explorar essas possibilidades pode ser a diferença entre sua carreira (e sua empresa) sobreviver à pandemia (o que, convenhamos, já não é pouco) ou crescer com ela.

*Crédito da foto no topo: Ajwad Creative/iStock

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