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Uma Austin aonde o SXSW não chega

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Opinião

Uma Austin aonde o SXSW não chega

O bairro de Austin, em Nova Iguaçu, é parte de uma região tradicionalmente negligenciada por políticas públicas e com uma nuvem de palavras bem diferentes da sua consagrada homônima


13 de abril de 2021 - 14h20

(Crédito: Marcos Medeiros, sócio e chief creative officer da CP+B Brasil
mmedeiros@cpbgroup.com)

Austin, Texas, Estados Unidos. Uma cidade que carrega ao seu redor uma nuvem de palavras, tais como tecnologia, vanguarda, inovação, futuro, criatividade, música, blockchain, entretenimento. Aqui, é onde acontece o South by Southwest, mais conhecido pela sigla SXSW. Um festival que, no mundo antes da pandemia, reunia dezenas de milhares de pessoas de diversos países para discutir tendências, apontar direções, lançar novos artistas, debater comportamentos de consumo e outras pautas da nossa sociedade. Até aqui, provavelmente, nenhuma novidade para o leitor do Meio & Mensagem.

Austin, Nova Iguaçu, Brasil. Um bairro que fica próximo à divisa entre os municípios de Nova Iguaçu e Queimados. O nome é uma homenagem ao engenheiro que projetou a linha férrea da região, Charles Ernest Austin. O bairro de Austin é parte de uma região tradicionalmente negligenciada por políticas públicas e com uma nuvem de palavras bem diferentes da sua consagrada homônima. Enchentes, descaso, transporte precário, falta de rede de esgoto. Em matéria publicada no jornal Extra, em novembro de 2020, uma moradora do bairro resume: “Uma rua vira rio. A outra vira lama. A gente precisa urgentemente de asfalto. Mas os candidatos só aparecem aqui de quatro em quatro anos. Quando ganham a eleição, somem.”

Austin, Texas, já foi eleita por duas vezes consecutivas como a melhor cidade para se viver nos Estados Unidos. Ostenta também o título de cidade com o maior número per capita de locais com música ao vivo no país. Entretenimento não é um problema. Educação, tampouco. Segundo o U.S. News & World Report’s Ranking, 97% da população de Austin têm o segundo grau completo e 31% têm pós-graduação. A taxa de desemprego fica na faixa de 3%. A cidade tem uma boa concentração de empresas de alta tecnologia e um custo de vida menor quando comparada à região do Vale do Silício. Ainda assim, o Economic Policy Institute’s Family Budget Calculator indica que o preço para se viver em Austin é de US$ 3.197 por mês, por adulto.

Austin, Nova Iguaçu, tem cinco praças consideradas espaços de recreação públicos. A população reclama da ausência de creches, de saneamento básico, de falta de iluminação e de ter que enfrentar longas caminhadas para chegar a um ponto de ônibus. Em matéria da Agência Brasil, encontra-se uma investigação sobre a ação de milícias no bairro: “Os milicianos passaram a controlar pontos de mototáxi, serviços clandestinos de TV e internet e até mesmo fornecimento de água e cestas básicas.” De acordo com dados do IBGE, o salário médio mensal dos trabalhadores formais é de 2,1 salários-mínimos, e a cidade de Nova Iguaçu ocupa a posição de número 4.435º no ranking educacional brasileiro.

Austin, Texas, teve a sua edição do SXSW realizada virtualmente neste ano. Entre as tendências de tecnologia apresentadas, estão a integração do corpo humano aos sistemas inteligentes, o metaverso e novas formas de interação, o avanço acelerado na criação de personas com aplicação de inteligência artificial.

Austin, Nova Iguaçu, teve uma crise no abastecimento de água no final de 2020. Alguns moradores ficaram duas semanas sem água. Tudo isso no meio de uma pandemia em que a recomendação é lavar as mãos sempre que possível. Não há tendência de mudança para os problemas de sempre, e a discussão agora deve ser em torno do auxílio emergencial. Existe uma única agência bancária nessa Austin.

Não é preciso esmiuçar mais os dados comparativos. Há, entre uma Austin e a outra, um abismo gigantesco. O Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) aponta que a pandemia agravou a desigualdade no acesso à internet no Brasil. Diz a matéria do caderno de Economia do jornal O Globo: “Os dados cruzados pelo instituto mostram que só 29,6% dos filhos de pais que não tiveram qualquer instrução têm acesso à banda larga. Nos lares onde os pais têm curso superior, essa parcela sobe para 89,4%. E mais: 55% dos filhos de pais sem instrução não têm acesso à internet. A fatia cai para 4,9% quando os pais concluem a universidade”. Há um processo de exclusão digital em andamento que é pouco discutido. Falamos como se o EAD, o trabalho remoto ou mesmo o Clubhouse fossem uma realidade para a maioria. Parafraseando o Lucas Schuch, talvez a gente se importe demais com dados do SXSW e de menos com os do IBGE. O mesmo IBGE que deve ter um corte de 90% no orçamento do Censo Demográfico de 2021, e o mercado não pareceu reclamar. Há todos os tipos de dados sobre Nova Iguaçu, no IBGE. E é importante para entendermos, em um nível municipal, as condições em que vive cada um dos brasileiros.

Quando pensamos em TV, deduzimos que ela sempre esteve em todos os lares do Brasil. Em 1970, 95% dos lares nos EUA possuíam TV, enquanto, por aqui, esse número era cerca de 24%. A evolução do Brasil nas décadas seguintes dá boas dicas sobre a relação do brasileiro com o meio; 56% em 1980, 74% em 1990, 87% em 2000 e somente em 2008 o Brasil alcança os mesmos 95% dos EUA. Há uma curva longa de tempo entre as duas Austins, mesmo quando falamos de TV.

Na Austin do Texas, antes da pandemia, podíamos ficar na fila das mais incríveis palestras, aprender, escrever textos sobre o que faríamos assim que voltássemos ao Brasil (que o Ryan Wallman chamou de pico da hipérbole ilusória seguido da sensação de que isso vai dar trabalho demais para ser aplicado) e, é claro, ver e ser vistos. Essa é uma Austin rica em soluções, enquanto a Austin daqui é carente delas.

*Crédito da foto no topo: iStock

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