Uma declaração de amor à infância livre e ao brincar
No Dia da Infância, celebrado neste 24 de agosto, não dá para falar sobre o tema sem lembrar da pandemia, que paralisou abruptamente o livre brincar
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Sou mãe veterana e orgulhosa de duas mulheres de 25 e 23 anos. Aprendo com elas todos os dias. E tento ensiná-las a nutrir a vida com as pequenas delicadezas, mesmo diante dos dias arenosos, mais difíceis de caminhar e que deixam o ombro exausto de tão pesado.
Mesmo como mãe, aprendi tardiamente o verdadeiro significado do provérbio africano que diz: “é preciso uma aldeia para educar uma criança”. A educação extrapola as fronteiras da família – núcleo importantíssimo na construção do afeto e da responsabilidade – e pede ajuda da grande comunidade representada por cada mínima interação das crianças com as pessoas, a cultura e o meio socioeconômico em que vivem.
Por isso, atualmente escancaro minhas portas e janelas para o coletivo entrar. É só chegar e contribuir. E a minha chegada profissional neste mundo para menores aconteceu há exatos 10 anos. Desde então, me apaixono diariamente, de diferentes formas, pelas cores, belezas e nuances deste universo infantil.
Nas trocas sempre inspiradoras, falamos com muito respeito sobre a inestimável missão de educar, pois não nos parecia correto atribuí-la a um negócio que se propõe a entreter e divertir. Rapidamente percebemos que não é bem assim e não precisa ser, pois a educação não faz parte do glossário institucional, mas é realizada diariamente nos diálogos que promovemos com o nosso público em todas as plataformas onde a criança está.
Percebi, portanto, que somos parte dessa aldeia. E damos o nosso melhor para marcar as diferentes infâncias com bons valores, práticas saudáveis, promovendo a amizade, o respeito às diferenças, o livre brincar, a colaboração e a importância do coletivo para qualquer transformação, conduzimos essa infância por uma visão poética e crítica da vida, ajudando cada uma dessas crianças a se sentir capaz de ser exatamente quem ela quiser ser.
Sim, a gente educa, se educa, estuda, mergulha fundo nos diversos aspectos do comportamento das crianças e tenta sair do outro lado mais instrumentalizado, a fim de empoderar essas pequenas novas gerações a serem leves, divertidas, seguras, colaborativas e com apetite para transformar o seu entorno e evitar os transtornos tão insistentes, que certamente visitarão a sua existência.
Mas não dá para falar sobre a infância sem lembrar da pandemia, que numa perspectiva da liberdade, da ação do lado de fora, paralisou abruptamente o livre brincar – o maior ativo de uma vida em construção. Por um lado, esse isolamento juntou, sim, as famílias e fortaleceu laços, mas adoeceu mentes e corações que sentiram medo, tédio, tristeza e solidão. Segundo o estudo Entretempos, realizado pela Unidade Infantil da Globo em 2020, 80% dos pais se sentiam mais conectados com os filhos e, ao mesmo tempo, vimos crianças mais agitadas e preocupadas com o futuro.
E aí volta essa voz que grita dentro da gente que educar é verbo coletivo. E coletivo combina também com empatia, com a capacidade não só de nos colocarmos no lugar do outro, como também de entender momentos, vivências e pontos de vistas diferentes dos nossos. É isso o que estou tentando fazer aqui, me colocar ao lado e no lugar dessas famílias. Eu, como essa mãe e profissional que mais aprende do que ensina, tive vontade de escrever tudo isso com o singelo desejo de que essas palavras desengonçadas cheguem aos pais, mães e cuidadores dessa infância que, faça chuva ou sol, sobrevive e sobreviverá brilhantemente a cada novo amanhecer que começa a nascer lá no azulado horizonte. Mesmo com todos os desafios, 89% dessas meninas e meninos acreditam que querer é poder e, por isso, são capazes de mudar alguma coisa importante no mundo. E eu tenho junto comigo essa certeza. E quero que eles contem comigo, com as nossas marcas e com toda a aldeia na luta que cada vez mais ganha tração por essa tal infância livre – cheia de possibilidades, onde as regras do brincar, as escolhas do sonhar pertencem tão e somente às nossas crianças. Vamos amá-las, respeitá-las, encorajá-las. Vamos saber ouvi-las. Vamos aprender com elas e entender o quanto são capazes de conjugar esse verbo. Um último dado do estudo Entretempos que trago aqui é que 77% dessas crianças aprenderam coisas novas durante o isolamento, curiosidades sobre História, Geografia e a importância da coletividade para transformar.
Vamos deixar que elas transformem e brinquem e, acima de tudo, vamos brincar com elas. Livremente. Vamos dizer pra elas que o mundo as espera dentro e fora de suas casas. E que elas podem vestir suas máscaras, não apenas as que nos protegem dos vírus, mas principalmente aquelas que traduzem toda a sua imaginação, toda a sua admiração por magas e magos, heroínas e heróis.
É chegada a hora de relaxarmos os ombros, de agradecermos o delicioso convívio com as nossas crianças e ajudá-las a voar. Porque elas, certamente, estão loucas para comprar essa passagem para o livre brincar. Esse lugar-encontro onde todos podem ter certeza de que tem muita gente para cuidar. Nós estaremos lá, inaugurando praças para que, quando tudo isso acabar, elas possam ser ocupadas novamente pelos pequenos – repletos de alegria e de diversão, à prova de qualquer pessimismo.
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