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Opinião

Uma nova fase na agenda da diversidade na comunicação

O diagnóstico realizado em parceria com a consultoria Gestão Kairós, apontou que, quanto mais alto é o cargo, menor é o nível de diversidade na publicidade


22 de maio de 2023 - 6h00

Quanto mais alto é o cargo, menor é o nível de diversidade na publicidade (Crédito: Mentalmind/Shutterstock)

Em sua conferência de posse como titular da Cátedra Otavio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade, criada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP em parceria com a Folha de S. Paulo, na última terça-feira 9, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel foi categórica: “A vida é aquilo que funciona, todo sistema que funciona. Não porque serve para alguma coisa, mas porque funciona”. E continuou sua linha de raciocínio: “Quando a gente entende que a diversidade é a norma da biologia, a gente dá um passo atrás e para de olhar só a média e foca no todo. E passa a celebrar o fato de todas essas variantes funcionarem. O normal é apenas o mais comum numa gama de variedades; o diverso não é exceção, é a norma”, afirmou a catedrática que recentemente revelou ser autista.

A visão que a neurocientista apresentou em sua conferência corta pela raiz o mal provocado pela histórica distorção que durante o século XX serviu de base para o eugenismo, cunhado no evolucionismo de Darwin – a famosa “sobrevivência do mais apto” – e que foi adaptado para o mundo corporativo com a tão propalada meritocracia. Afinal, se a vida é qualquer sistema que deu certo, não existe base biológica para qualquer tipo de supremacia.

“O que eu quero transmitir é a ideia de que a diversidade não só é a norma como também traz oportunidades”, disse. Ela afirmou que a diversidade é seu assunto favorito: “Meu interesse passou de diversidade do cérebro para diversidade da vida em geral”, disse na conferência um dos principais nomes da neurociência brasileira, com trabalhos de repercussão internacional.

Tenho estudado temas ligados à diversidade e inclusão ao longo dos últimos anos e ao ler as declarações de Suzana Herculano-Houzel fiquei pensando sobre a necessidade de ações concretas para desconstruir lógicas e sistemas que estruturam a produção de conhecimento, de riquezas e de toda a nossa sociedade – todas elas baseadas na noção que privilegia e invisibiliza quem não tem acesso aos espaços de poder. A boa notícia é que a agenda do século XXI está se impondo e parece, finalmente, ter chegado ao mercado da comunicação.

Três iniciativas distintas ligadas à agenda da diversidade e inclusão anunciadas ao longo do mês de abril por diferentes agentes da indústria confirmam que passamos da etapa das boas intenções para um plano de ações mais concreto e propositivo, visando uma transformação que está ainda em fase inicial de construção.

A primeira é o projeto Fill the Gap, um curso gratuito idealizado por Felipe Simi, CEO e CCO da Soko, Filipe Bartholomeu, presidente e CEO da AlmapBBDO, e Rodolfo Medina, presidente executivo do Grupo Dreamers, os três indicados ao Caboré 2022 na categoria Dirigente da Indústria. Ao subir ao palco, o vencedor, Bartholomeu, chamou seus dois concorrentes e anunciou o compromisso público de unirem esforços para mudar a falta de diversidade entre os c-levels do mercado brasileiro.

A promessa se materializou quatro meses depois. A parceria das três agências com a ESPM resultou na criação de um curso que tem como objetivo capacitar grupos sub-representados – pessoas negras, indígenas, com deficiência, trans e não binárias – para que possam assumir cargos de liderança. A lista dos selecionados para a primeira turma será anunciada na última semana de maio.

A segunda iniciativa em prol de um mercado publicitário mais diverso foi o compromisso formal estabelecido pelo Observatório da Diversidade na Propaganda (ODP) e com a assinatura simbólica de 28 agências para acelerar a representatividade da demografia brasileira, proporcionalmente, nas agências de publicidade e propaganda do País em cinco anos. Desdobramento direto do censo das agências brasileiras (https://bit.ly/42RTr6E), foram estabelecidas 36 metas setoriais a partir de três macro fontes de atuação: quadro funcional e liderança, representatividade proporcional no casting e critérios de diversidade para fornecedores.

O diagnóstico realizado em parceria com a consultoria Gestão Kairós, apontou que, quanto mais alto é o cargo, menor é o nível de diversidade na publicidade e demonstra com números aquilo que já era evidente a olho nu: homens representam 85% dos cargos de CEO; 92% se autodeclaravam brancos e 8% negros; e 8% se autodeclararam homossexuais. Além disso, o estudo também mostrou que não existia nenhuma representatividade de pessoas com deficiência nesse cargo.

Por fim, o estudo “A Revolução da Longevidade”, realizado pela AlmapBBDO, joga luz a uma das únicas dimensões da diversidade que é totalmente transversal: a geracional. O estudo concluiu que pessoas mais velhas se sentem invisíveis e desconsideradas pela comunicação, o que reforça o etarismo. Ao lado da Qualibest, a agência ouviu 1.055 pessoas das classes ABC, de todas as regiões do Brasil, com idades entre 20 e 85 anos. Já com a Favela Diz, outra amostra contou com 300 indivíduos, também homens e mulheres dos 50 aos 85 anos, residentes em Paraisópolis, em São Paulo.

Nada menos que 64% das classes ABC e 77% da C e D, não conseguiram mencionar marcas com as quais se conectam. Dessa maneira, a falta de representatividade, espontaneidade e senso de pertencimento, além da insistência nas mesmas categorias (creme antirrugas, fraldas geriátricas e remédios), reflete na falta de desejo. Entre as fortalezas identificadas estão a pulsão de vida que mostra que, ao contrário dos efeitos da propaganda, pessoas mais velhas são seres desejantes motivados a viver a vida ao máximo. Além disso, há a coragem da reinvenção, desejo de deixar um legado, simplicidade, respeito ao tempo, acúmulo de vida e autoconhecimento. Em parceria com o Pacto Global da ONU, na apresentação do estudo a agência também anunciou um compromisso público para mudar a realidade demonstrada na pesquisa e fazer com que a diversidade geracional e inclusão da população mais velha nas câmeras e atrás delas se torne uma realidade, diante da mudança demográfica pela qual passa a sociedade brasileira.

Ao contrário da fala inicial de Suzana Herculano-Houzel quando ela diz que na natureza quando se olha o todo percebe-se que a diversidade é uma realidade, no mercado publicitário é exatamente o oposto. O todo ainda é muito homogêneo, masculino, cis, branco e de uma determinada classe social. Mas, a palavra compromisso ao lado de diversidade parece agora iniciar uma nova fase dessa agenda na nossa indústria. Que tenhamos mais iniciativas assim daqui para frente com metas concretas para que consigamos alcançar rapidamente um outro patamar nessa agenda que é imperativa, urgente e necessária.

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