Urgência para a Lei de Proteção de Dados
Com regras claras, saberemos o que pode ou não pode ser feito. E isso é bom
Com regras claras, saberemos o que pode ou não pode ser feito. E isso é bom
No mundo dos negócios há quem creia que, quanto menos leis, melhor. Na área digital e de proteção de dados, o Brasil tem sido, até hoje, uma selva sem lei e há quem ache isso bom. Afinal, quem não quer ter acesso a qualquer dado, sobre qualquer cidadão e usar isso para vender tênis, conseguir mais clientes ou eleger um candidato?
Eis aí uma grande cilada. Essa liberdade é, na verdade, uma armadilha. Tanto para pessoas comuns, consumidores, que têm sua privacidade cada vez mais ameaçada, quanto para empresas e agências de publicidade. Precisamos urgentemente de uma legislação que regulamente o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais. A Europa já tem. A Califórnia e a Argentina também. Com um ambiente bem regulamentado, leis claras, fiscalização e órgãos de proteção teremos mais oportunidades. Saberemos o que pode ou não pode ser feito. E isso é bom.
Não podemos mais viver numa nuvem negra de dados. Isso é ruim para todos. O Ministério Público do Distrito Federal, por exemplo, está investigando a venda de dados de cidadãos brasileiros vazados do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados). A suspeita é a de que esses dados estariam sendo negociados com sites que vendem informações pessoais na rede.
Agências de propaganda trabalham com dados de consumidores. Mas como empresas que trabalham com informação, precisamos saber o que podemos ou não podemos usar. Claro, existe o bom senso. Mas bem sabemos que o bom senso de um não é o mesmo do outro. Precisamos de algo concreto, preto no branco, claro e definitivo — ou seja, uma regulamentação.
Estabelecendo-se regras, teremos à frente a oportunidade de explorar dados infinitos sem infringir a privacidade do cidadão, sem pôr em risco a reputação de ninguém.
Quem não se lembra de casos de fotos íntimas de famosas vazadas na rede? E se em vez de espalhadas pela web, as fotos tivessem sido publicadas em algum meio regulamentado (revista, jornal ou TV)? Os advogados das atrizes, nesse caso, não teriam dificuldade em processar e exigir punição dos responsáveis pela disseminação — o jornalista ou o veículo que vendeu espaço para publicidade ou a agência de propaganda. Isso porque há regras, garantia de direito de resposta. Mas os longos braços da lei, nesse caso, não alcançam a rede em sua maioria. Na internet ninguém tem direito de resposta e muitas vezes fica difícil responsabilizar o autor.
O Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, não protege as informações dos usuários. Isso dá brechas para acontecer por aqui casos como o da Cambridge Analytica. No início do ano, descobriu-se o vazamento maciço de dados de pelo menos 87 milhões de usuários do Facebook em todo o mundo (incluindo brasileiros) para a consultoria britânica. Tudo sem consentimento.
Por essas e outras, o Projeto de Lei no 53/2018, já aprovado pela Câmara e pelo Senado, precisa o quanto antes ser sancionado pela Presidência da República, obrigando todos (plataformas tecnológicas, clientes, agências de publicidade, veículos de comunicação, etc…) a se adequarem à nova lei.
Assim como a General Data Protection Regulation, a lei europeia aprovada em maio, o texto brasileiro torna obrigatório o consentimento explícito do cidadão para que órgãos governamentais ou empresas privadas façam a coleta e uso de dados. Também determina que o usuário possa visualizar, corrigir e excluir esses dados quando quiser.
Hoje, segundo o advogado, especialista em tecnologia e membro do conselho da Mozilla Foundation, Ronaldo Lemos, calcula-se que apenas 25% dos usuários se preocupam com a segurança de dados. É pouco. Mas em 2017 eram só 17%. Ou seja, a preocupação vem crescendo e justamente entre os formadores de opinião, os “trend setters”, “early adopters”. Não é esse grupo, o filé, que as marcas sonham atingir?
Quanto antes tivermos regras claras e suficientes de proteção, mais caminhos e oportunidades teremos para lidar com dados de maneira ética. Precisamos disso o quanto antes. Afinal, a Inteligência Artificial e a Internet das Coisas já chegaram ao mercado consumidor. Não podemos deixar de explorar as possibilidades que essas tecnologias nos entregam por não saber onde estamos pisando. A nova lei de dados estabelece isso. Assim, não mais pisaremos em ovos, como acontece agora.
*Crédito da foto no topo: Markus Spiske/Pexels
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