27 de fevereiro de 2018 - 10h26
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Peço licença para entrar na conversa tão bem iniciada pelo Meio & Mensagem no editorial da edição anterior (“A campanha de P&G e Unilever”). Ao trazer para o mercado brasileiro a discussão sobre transparência e controle nas plataformas sociais, iniciado no mercado americano por duas das maiores anunciantes do planeta, o jornal nos lembra que essa discussão demorou para acontecer, mas que é imprescindível que seja iniciada imediatamente para que asseguremos um mercado justo, saudável e diverso, em que todos os players tenham garantidos seus direitos à informação de confiança e à competição leal.
A discussão sobre transparência demorou a chegar. A publicidade no mundo digital começou no início dos anos 1990 e de lá para cá cresceu exponencialmente. E só agora, quase 30 anos depois, o mercado parece ter despertado de vez para a grande necessidade de regras mais claras e uma regulação mais assertiva. Essas são premissas básicas para a construção de qualquer mercado forte e o Brasil precisa estar na liderança desta discussão, já que somos um dos maiores consumidores mundiais de gadgets, plataformas e conteúdos digitais.
Então, o que provocou o adiamento dessa discussão? Em minha opinião, houve um desalinhamento de entendimento e de interesses dos diversos players que compõem e constroem este mercado.
Começando pelos grandes anunciantes. Não há como negar que houve certa demora em reconhecer o verdadeiro poder da internet como ferramenta de comunicação, de vendas e de construção de marca. Como consequência, as verbas destinadas para as plataformas online foram, por anos, irrisórias no bolo de mídia e, aí, uma coisa levou a outra: apesar de serem grandes consumidores do conteúdo digital, como gestores de marketing eles não prestaram a devida atenção na qualidade dos fornecedores, no serviço prestado nem nos resultados de anúncios online. Se parte do dinheiro acabou sendo desperdiçada com bots e se esvaiu em fraudes, poucos perceberam e quem percebeu não achou fórum significativo para reclamar punição.
O segundo desalinhamento aconteceu entre o modelo de negócio de remuneração praticado no mercado publicitário e a necessidade de rigor nas métricas para que uma campanha online seja efetiva. Trabalhamos remunerando as agências por volume e, na internet, sem que a transparência seja uma questão abertamente discutida, é muito fácil inflar números por meio de redes de bots ou não fazer nada a cada novo escândalo de manipulação de métricas por parte dos grandes players. Esse conflito de interesses acabou favorecendo a falta de transparência e abriu espaço para pouco cuidado com o rigor de métricas, possibilitando fraudes.
Por fim, os publishers. Ao perceberem o desalinhamento do cliente com o potencial estratégico das plataformas e um modelo de negócio de remuneração de agências baseada em volume, eles priorizaram a maximização dos lucros vendendo números inflados por tráfego de má qualidade, em vez de informações de fato relevantes para o negócio do anunciante.
E como resolver a questão? Para garantirmos a transparência dos grandes players é preciso agirmos em duas frentes: a padronização nas métricas de resultados e uma regulamentação forte administrada por uma entidade com poder de punição para que seja de fato respeitada.
Com alto nível de profissionalismo que o mercado publicitário adquiriu nas últimas décadas, é difícil entender que qualquer player da indústria admita publicamente ter contabilizado de forma errada o número de visualizações de vídeos online, distorcendo métricas, e que não haja nenhuma agência reguladora capaz de advertir e punir más práticas como esta. Temos de questionar mais as métricas apresentadas. Temos de questionar mais as promessas de entrega e estabelecer padrões para certos conceitos. O que entendemos como “visita” do consumidor a um determinado local: vale uma precisão de 500 metros ou o máximo admitido para ser classificado como visita é uma precisão de 5 metros do local determinado? É preciso esclarecer. É preciso regras comuns, para conceitos comuns.
Por isso, é essencial que fortaleçamos as associações de publicidade digital para que elas tenham autoridade para fazer valer os mesmos padrões para todos os players, junto com a defesa dos valores da ética, dos direitos de anunciantes e do estímulo de toda a cadeia produtiva desta indústria. Ainda que louvável, não adianta P&G e Unilever se levantarem sozinhas pela transparência, ameaçando boicotar ou fazer qualquer outra retaliação individual contra as gigantes. Se não houver uma entidade que de fato represente estes anunciantes padronizando as métricas e colocando regras mais severas nos publishers com poder de punição em caso de desalinhamento, continuaremos com a lógica de hoje: as gigantes lucram fazendo o errado e os que fazem certo, são punidos. No final, além de perderem os próprios anunciantes que vêm financiando tudo isso, perdemos todos a chance de construir um mercado cada vez mais forte, profissional e ético.