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Opinião

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É um alento escutar grandes anunciantes reconhecerem que a dinâmica predatória estabelecida no relacionamento com as agências parece estar se voltando contra eles


16 de novembro de 2016 - 12h21

startupiideiaNão é de hoje que agências reclamam do tratamento dado por clientes, tanto dos atuais quanto daqueles em prospecção, com ou sem concorrência envolvida. O tom de indignação nas conversas com os líderes do mercado indica, no entanto, que a pressão em termos de valores e prazos, tanto de entrega quanto de pagamento, parece nunca ter sido tão agressiva quanto hoje — um dilema global agravado desde a crise financeira de 2008 e que vem se intensificando no Brasil dentro do atual ambiente recessivo de negócios.

Para ficar em apenas dois exemplos (um internacional, outro nacional) de como a temperatura subiu nos últimos anos, recordemos os processos de seleção promovidos no Reino Unido por AbInBev e no Brasil pelo Grupo Pão de Açúcar.

No primeiro caso, em março de 2015, a Marketing Agencies Association (MAA) conclamou seus integrantes a boicotarem o cliente, que teria questionado as agências quanto à capacidade de estender ainda mais o elástico prazo de pagamento (então em 120 dias) e também em relação à quantidade de horas gratuitas de trabalho que estariam dispostas a oferecer.

Não há nada factual que aponte para o fim desse ciclo de estrangulamento em prol de vantagens financeiras, ainda que isso signifique, no final das contas e conscientemente, pagar menos por um trabalho criativo notoriamente inferior

Já a concorrência da empresa franco-brasileira de varejo, que começou no segundo semestre de 2013 e se arrastou até os primeiros meses de 2014, foi amplamente criticada na época pelo próprio Meio & Mensagem e por agências que vieram a se retirar da disputa (casos da AlmapBBDO, WMcCann e Neogama) por não concordarem com as exigências iniciais — de acordo com fontes familiares ao tema, essas incluíam até mesmo um aporte do vencedor para assumir a house que na época respondia pela publicidade do anunciante.

Não há nada factual que aponte para o fim desse ciclo de estrangulamento em prol de vantagens financeiras, ainda que isso signifique, no final das contas e conscientemente, pagar menos por um trabalho criativo notoriamente inferior. Pelo contrário: na semana passada, dois executivos-chefes de grandes agências confirmaram em conversas informais, sob a condição de não terem seus nomes revelados, que a maioria esmagadora das concorrências das quais participaram neste ano tinha como único objetivo uma redução na remuneração da agência.

Ao mesmo tempo, tem sido um alento escutar os primeiros grandes anunciantes reconhecerem que a dinâmica predatória estabelecida no relacionamento com suas agências parece estar se voltando contra eles próprios. Há até uma expressão, em inglês, usada para descrever a situação: “crap trap”, que, em tradução livre, corresponde a algo como “a armadilha da porcaria”. A mais contundente confissão de que é preciso reverter esse processo de deterioração veio do novo chairman da Associação Nacional de Anun- ciantes dos Estados Unidos (ANA), Marc Pritchard. Ele é o executivo-chefe de marketing do maior anunciante do planeta, a P&G.

“Vamos lembrar que publicidade é um negócio baseado na criatividade, e a matéria-prima de nossas agências são as pessoas que nelas trabalham. Os últimos anos têm sido especialmente difíceis para as agências, e agora é a hora de virar essa página. A narrativa negativa precisa ser encerrada, porque os profissionais de nossas agências são pessoas do bem, das quais dependemos do bom trabalho para, juntos, criarmos magia. Vamos nos concentrar nessa energia humana positiva para gerar a mais abundante explosão de criatividade que o mundo já viu”, afirmou Pritchard, no mês passado, durante o encontro anual da ANA, no qual foi apontado como o novo líder da entidade. E não parou por aí.

“Estamos nos distraindo com debates menores em torno de métricas enquanto os consumidores estão bloqueando nossos anúncios. Métricas não tonarão melhores anúncios ruins (…). Nós, anunciantes, investimos US$ 250 bilhões por ano em publicidade. Colocar o foco na qualidade fará toda a diferença. Ajudará no fortalecimento de nossas marcas, de nosso negócio, e de toda a indústria”, concluiu Pritchard, cujo meaculpa não poupou nem a própria P&G — ele admitiu que a empresa “fez muitas coisas e promoveu muitas mudanças” nos últimos tempos, sem ter a qualidade como objetivo principal.

Por enquanto, são apenas palavras. Mas, em meio a tanto barulho, não deixa de ser boa música para nossos maltratados ouvidos.

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