Visão seletiva, cegueira generalizada ou medo mesmo?
Principais trilhas de conteúdo do SXSW simplesmente ignoraram a China, um país que não apenas é uma potência, mas que também tem a maior capacidade de impactar todos esses tópicos
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Ah, o South by Southwest (SXSW), onde os “visionários” se reúnem para debater as últimas tendências em inovação, tecnologia e cultura, enquanto amargam o não cumprimento de suas metas comerciais do primeiro trimestre do ano. Depois da divulgação das trilhas mais disputadas neste ano por parte da organização, me atrevi a escrever sobre o tema. Se você não viu: “Futuro do Trabalho”, “Sustentabilidade e Clima”, “Comida e Agricultura”, “Saúde e Medicina” e “Indústria de Games”, foram as com maior número de espectadores. Seria razoável esperar que alguém, em algum lugar, pensasse: “Ei, e se nós falássemos sobre a China?” Mas, surpresa! Ninguém pareceu notar a ausência de um país que não apenas é uma potência, mas que também tem a maior capacidade de impactar todos esses tópicos. A menos que, claro, um evento de inovação tenha decidido ignorar o elefante de 1,4 bilhão de pessoas na sala. Para ilustrar com mais clareza o que estou dizendo – nessas cinco trilhas foram 192 ocorrências de painéis, apresentações, debates e mentorias. Nenhuma delas tinha nenhum único cidadão chinês ou mesmo um Homo sapiens de outra nacionalidade, representante ou executivo de qualquer empresa chinesa.
Vamos começar com os fatos. A China é a maior produtora de energia renovável do mundo — e quando eu digo “maior”, quero dizer que ela é responsável por 30% da capacidade global instalada de energia eólica e solar. Um nome que poderia facilmente brilhar no painel sobre “Sustentabilidade e Meio Ambiente” é Ma Jun, um renomado ambientalista e fundador do Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais (IPE, na sigla inglesa). Conhecido por seu trabalho em soluções sustentáveis e na função de advocacy, Ma Jun poderia oferecer uma rica perspectiva sobre as inovações que a China está implementando para enfrentar a crise ambiental global. Mas, claro, quem precisa da sabedoria de um bilhão de pessoas quando se pode apenas discutir soluções que já conhecemos?
A agricultura também é um campo em que a China brilha. O país é o maior produtor de alimentos do mundo, cultivando mais de 600 milhões de toneladas de grãos anualmente. Podemos imaginar a presença de Zhang Yong, CEO da Haidilao, uma das maiores redes de restaurantes de hot pot do mundo. Zhang poderia compartilhar insights sobre inovações na cadeia de suprimentos alimentares e ações de sustentabilidade na indústria de alimentos, além de discutir a transformação da cultura alimentar na China. Nossa, que inovação notável! Enquanto a China está ocupada implementando práticas que realmente mudaram a rentabilidade logística de perecíveis, você acha que os painelistas do SXSW estão prontos para reconhecer isso? Não, melhor falarmos sobre como cultivar soluções “plantando no seu quintal” e “guerra contra congelados e seu alto volume de gordura trans”.
E aí está a saúde, com a China se destacando ao fornecer cerca de 50% das vacinas do mundo em 2022. Podemos citar Yuan Guojun, CEO da Sinovac Biotech, uma das principais empresas de biotecnologia daquele país, que desenvolveu uma das vacinas mais utilizadas no combate à Covid-19. Sua presença em um painel poderia oferecer uma perspectiva valiosa sobre o futuro das vacinas, biotecnologia e a resposta global à saúde pública.
O futuro do trabalho? Ah, sim, como se isso não fosse tema suficiente para uma década. Enquanto a China abriga mais de 355 unicórnios de tecnologia, como a ByteDance (dona do TikTok) e a Didi Chuxing, podemos imaginar Chen He, CEO da Beijing R&D Center for Intelligent Manufacturing, discutindo a interseção entre automação e o futuro do trabalho. Quem no mundo consegue aumentar empregabilidade mesmo com automações em níveis nunca antes vistos? Em vez de explorar os avanços que podem transformar o mercado de trabalho como o conhecemos, o SXSW segue discutindo até onde e por quantos dias da semana é interessante trabalhar no sofá de casa.
A China é um gigante crescente em games, com empresas como a Tencent, que não apenas é a maior desenvolvedora de jogos do mundo, mas também vem trazendo investimentos em títulos populares globalmente, como Fortnite e Call of Duty. Pang Yao, fundador e CEO da NetEase Games, poderia ter trazido insights sobre as tendências de jogos no mercado chinês e as inovações em realidade aumentada e virtual num momento em que os devices parecem evoluir menos que anos atrás. Afinal, que melhor jeito de entender a evolução dos games e da realidade estendida do que pelo prisma de um país que representa mais de 25% do mercado global?
Então, a grande questão é: como um evento tão relevante pode ignorar as contribuições de um dos maiores países do mundo? Em tempos de crescente tensão geopolítica, especialmente após a ascensão do fenômeno Trump e a guerra tarifária entre os EUA e a China, essa omissão pode ser sinal de uma cautela excessiva por parte do SXSW. Ou a verdade é que convidar líderes e influenciadores chineses pode não ser tão simples quanto parece – medo de retaliações comerciais ou políticas pode ter inibido os organizadores. Não seria surpreendente que potenciais painelistas pensassem duas vezes antes de aceitar um convite para um evento no qual a narrativa predominante pode não beneficiá-los.
Alguém me indica um evento de inovação sobre a China ? Obrigado.
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