“Você” 20.24

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Opinião

“Você” 20.24

A mídia parece que mais nos afasta do que nos une, com a confiança, mãe de todas as relações, se corroendo paulatinamente


24 de julho de 2024 - 6h00

“Você” foi a pessoa do ano, capa da revista Time em 2006, ao invés de personalidades eleitas pela revista todos os anos em suas edições de dezembro. Conteúdos gerados pelos usuários na internet, milhões de pessoas ajudando umas às outras on-line, a contribuição de muitos tomando o poder de poucos (veículos e jornalistas). Uma ilusão que se tornou um pesadelo.

A confiança nas notícias está despencando ladeira abaixo, com o Brasil no topo da lista, 19 pontos percentuais de queda nos últimos dez anos, de 2015 a 2024. Na sequência aparecem a Alemanha, com 17 pontos de queda e a Inglaterra, com 15 pontos percentuais abaixo no mesmo período. Um fenômeno global contabilizado pelo estudo anual “Digital News Report”, que pesquisou em 2024, 46 países, em todos os continentes. As fontes que mais se alteram são o crescimento de acesso a notícias pelas redes sociais (+44%) e a queda de busca por informação na mídia impressa (-70%) e na televisão (-32%), na média dos três países.

Com mais meios de comunicação e possibilidades infinitas de conexão entre as pessoas, a mídia parece que mais nos afasta do que nos une, com a confiança, mãe de todas as relações, se corroendo paulatinamente. As telas, que seriam filtros para o mundo, tornam-se lentes que distorcem a realidade. Aquela que deveria explicar e informar, mais complica, manipula e mente.

O pesadelo da falta de confiança segue no entretenimento, que vai se deteriorando on-line, com a distração, remédio do cotidiano, se transformando em veneno. O potencial poder nas palmas das mãos, sugerindo que tudo poderia acontecer, cria somente um looping de expectativa e desilusão, sem nenhum benefício. Vagando por conteúdos fúteis, nem sempre inúteis e acontecimentos relevantes, nem sempre importantes, a diversão nunca chega.

De provável dono das redes, “Você” se tornou apenas mais um dos usuários, como aqueles das drogas. Um produto que na maioria das vezes não ganha nada pelas vendas que gera on-line. “Você” ficou refém da tecnologia, com a atenção monetizada roubando seu tempo escasso, servindo apenas ao lucro dos outros. Algoritmos direcionados para “Você” aproveitam a tendência de o cérebro humano valorizar mais aquilo que apavora, disseminando pânico e desconfiança, afastando a verdade dos fatos, contribuindo para um mundo cada vez mais emotivo, fragmentado e radical. De um lado ficam os paranoicos e hipercéticos, do outro os apáticos e paralisados, com a inteligência coletiva, princípio natural e impositivo para superação humana, substituída pela ignorância acumulada.

Como todos sabem, raposas não podem cuidar de galinheiros. Raposas são as empresas que controlam o ecossistema global de informações, aquelas 5 letrinhas que ainda não têm um novo acrônimo (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google – Faang). Galinheiro são as redes sociais, e as galinhas são… “Você”!

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