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Tive experiências que jamais poderia sonhar. Porque esse era um dos maiores prazeres do Washington: realizar sonhos improváveis para as pessoas que ele gostava


16 de outubro de 2024 - 16h37

Em 2004, eu estava com 32 anos, era possivelmente o redator com mais prestígio e com o maior salário do Rio de Janeiro. E havia acabado de fazer o que toda pessoa pobre com bom senso faz quando começa a ganhar dinheiro: comprei um monomotor. Era sócio do Clube Ceu, na Barra da Tijuca, fundado pelo grande Armando Nogueira, e, influenciado pelo Pedro Feyer, estava prestes a alugar uma casa na Joatinga, para ficar mais perto do avião. Minha vida havia finalmente decolado. Até que toca o telefone na NBS

Rynaldo Gondim? Um momento que o Washington Olivetto quer falar com você.

A voz era da Dani Romano, que mais tarde se tornaria uma das minhas melhores amigas. Quando o Washington pegou o telefone me convidando para ir para a W/Brasil, eu disse a verdade: esperei esse telefonema a vida inteira. Mas ele chegou na hora que finalmente eu estou curtindo o melhor do Rio de Janeiro. Não sei se quero ir pra São Paulo. Washington me deu um belo argumento:

Você não é do Méier? São Paulo é um grande Méier. Você vai se adaptar rapidinho.

Acho que no sábado seguinte ou no domingo, não lembro bem, vi uma chamada perdida em meu celular. Era um número de São Paulo. Liguei de volta e atenderam no Hospital Albert Einstein. Achei estranho. Mais tarde, nova chamada perdida do mesmo número. Passei a ficar com o telefone na mão para não perder a terceira chamada que aconteceu no fim da tarde. Era o Washington:

Rynaldo, estou no Albert Einstein. Meus gêmeos nasceram, o Corinthians venceu, falta só você vir pra W para eu ficar completamente feliz.

Eu começo amanhã, chefe.

Enquanto arrumava a mala, contei para a minha mãe e meus irmãos que estava indo morar em São Paulo. Peguei um avião naquela mesma noite. E minha vida jamais seria a mesma.

Na segunda-feira, quando cheguei à W/Brasil senti um misto de euforia e pânico. Estava achando muito estranho ver o Washington tão de pertinho. Mas fui tão bem recebido, tão acolhido, que não demorou muito para o pavor se dissipar. Mesmo vendo o Ricardo Freire teclando sem parar em seu computador.

Trabalhar na W/Brasil era um sonho. A criação era uma sala enorme toda aberta. Do lado da mesa da Letra – era como entre nós, chamávamos o Washington – havia um sofá apelidado de sofá da Hebe. Toda semana o Washington recebia algum amigo que ele fazia questão de dividir com a gente. Eu tomei cerveja com Dr. Sócrates, conversei com Arnaldo Antunes, Fernando Morais, Ronaldo Bastos, Maitê Proença, André Midani, Juca Kfouri – que é padrinho do Theo Olivetto e nunca me perdoou por eu ter levado o garoto pra voar com três anos de idade – fui a inúmeros shows do Lulu Santos, jantei com o Bono Vox e com o Gilberto Gil, passei uma manhã voando com o Ed McCabe e testemunhei uma multidão ficar de costas para o gênio Jorge Ben Jor e cantar “Alô Alô, W/Brasil” para o Washington que estava em um camarote em frente ao palco.

Eu tive experiências que jamais poderia sonhar. Porque esse era um dos maiores prazeres do Washington: realizar sonhos improváveis para as pessoas de quem ele gostava. E ele gostava de mim pra caralho.

Quando a Dani nos avisou sobre a morte do Washington, eu estava sozinho com minha filha de quatro anos. Então, precisei me manter firme. No dia seguinte, ainda mantive a dignidade até ver a mensagem do Dedé Laurentino: Ele tinha muito orgulho de você. Ele te adorava. Desabei. Horas depois desabei de novo quando o Gordilho me ligou: Ele falava de você como se fosse filho dele.

Esse é o maior orgulho que tenho na vida. O meu maior ídolo gostava de mim pra caralho. Eu não sou modesto. Tenho noção do valor que tenho como criativo. Mas o Washington é um gênio consumado. Então, sinceramente, nunca me senti merecedor de tanta admiração e carinho que o Washington demonstrava por mim. Quem leu a sua biografia, sabe o quanto ele foi generoso comigo.

O Guime Davidson acha que o Washington via em mim alguma coisa dele mesmo. Eu já acho que o Washington me valorizava tanto porque sabia exatamente como eu o enxergava. Porque o Washington era um grande ídolo, mas também era um grande fã. Seus olhos brilhavam quando ele falava, por exemplo, do André Midani ou do Jorge Ben Jor. Ele sabia como era bom receber amor de um ídolo e, generoso como era, fazia isso por mim. Um dia eu perguntei pra ele:

–  Washington, quando cheguei à W, eu parecia um chimpanzé. Não que tenha melhorado tanto. Mas uma vez, por exemplo, você me levou pra almoçar com o Boni e eu fiquei tomando o vinho de vocês como se fosse chope. E você continuava me levando pra tudo quanto é canto. Por quê?

Resposta:

–  Não enche, Rynaldo.

Washington não julgava ninguém. E não falava mal de ninguém também. Por mais cretino que fosse o sujeito. Às vezes, a gente perguntava: “Por que você continua falando com esse camarada? Ele é um babaca dos infernos”. A resposta era sempre a mesma: “Deixa ele, deixa ele”.

Quando recebi a terceira proposta para ir para a Almap, desta vez vinda do Dulcídio Caldeira – hoje, um dos meus melhores amigos – eu achei que precisava ir. A conversa com o Washington foi muito rápida. Ele priorizava os profissionais e o mercado em relação ao seu próprio negócio:

Rynaldo, eles podem dar a você hoje mais trabalhos do que eu. Vá. Vai ser bom pra sua carreira. Quando eu tiver mais trabalhos, eu te chamo de volta.

Ele chamou. Mas eu não fui. Estava num momento muito bom na Almap. Depois, chamou de novo. Na segunda vez, eu aceitei, mas não consegui chegar num acordo com a McCann. Não trabalhamos mais juntos, mas jamais deixamos de estar juntos. Nunca fiz um movimento na minha carreira sem me reunir antes com ele e com o Rui Branquinho. Aliás, a única vez que mudei de agência sem ouvi-los antes, quebrei a cara e fui embora depois de sete meses.

Quando conheci a mãe do Washington, eu fiz a pergunta idiota que ela devia ter ouvido milhões de vezes e ela me deu a resposta inteligente que já devia ter dado milhões de vezes:

– Eu tenho muito orgulho pelo filho que ele é e pela pessoa que ele é. Mas não por causa do seu sucesso profissional.

Provavelmente, ela sabia que uma coisa estava diretamente ligada à outra. Washington foi um criativo brilhante porque era uma pessoa maravilhosa. Nesse exercício diário de esquizofrenia do nosso ofício, que exige que cada hora a gente se coloque no lugar de alguém, uma pessoa que é empática por natureza leva uma grande vantagem. Você pode dizer: “mas tem alguns cretinos que conseguiram grande sucesso profissional em nossa atividade”. É verdade. Mas nenhum deles chegou tão longe quanto o Washington Olivetto.

Washington foi o maior publicitário de todos os tempos. Não sou eu que estou dizendo. É o Ed McCabe. E qualquer um pode atestar isso estudando um pouco do trabalho da Letra.

Na segunda-feira, 14, eu, Guime, Rui Branquinho, Fabio Meneghini, Gustavo Duarte e meu outro mestre, Ercílio Tranjan, fomos nos despedir do Washington, onde encontramos outros grandes amigos.  Foi uma cerimônia muito bonita. E a família Olivetto nos deu uma aula de fidalguia, elegância e amor. Graças a eles, todos nós saímos de lá infinitamente melhor do que prevíamos. E na manhã seguinte acordamos com a seguinte mensagem da Dani Romano, mais do que nunca, nossa comandante:

– Eu quero dizer para vocês ficarem bem. A gente já está morrendo de saudades, mas vamos segurar essa e continuar fazendo bonito para ele continuar se orgulhando de nós.

Fazer bonito para o Washington se orgulhar de mim. É o que tenho tentado fazer a vida inteira. Obrigado por tudo, meu genial amigo.

 

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