William e Elizabeth
Em qualquer circunstância, tempo e proporção, o talento criativo deve ser encorajado e pago, deve ser apoiado e valorizado para poder cumprir o papel que tem de transformar o complexo em simples, o esquecível em memorável
Em qualquer circunstância, tempo e proporção, o talento criativo deve ser encorajado e pago, deve ser apoiado e valorizado para poder cumprir o papel que tem de transformar o complexo em simples, o esquecível em memorável
26 de fevereiro de 2018 - 17h07
O termo “elisabetano” não designa a era da atual rainha Elizabeth, e sim o período de 44 anos em que a Inglaterra foi governada por Elizabeth I, na segunda metade do século 16. Elizabeth precisou lutar pelo trono, pois era uma das muitas filhas (além de um filho) do impiedoso Henrique VIII, e a única criança sobrevivente nascida de Ana Bolena, segunda esposa dele. Para piorar, sua mãe fora acusada de incesto e adultério, tendo sido decapitada por decreto real.
Mas eis que, para surpresa geral, Elizabeth I foi uma rainha longeva e que marcou época. Em seu período, ela se mostrou uma governante menos impulsiva que o pai e mais recatada que a mãe (comenta-se que teria morrido virgem) e conseguiu unir os ingleses em torno de disputas militares vitoriosas, especialmente contra a Espanha, grande espinho entalado na garganta inglesa. Também foi a rainha que levou a Inglaterra à sua expansão marítima, e lançou o maior programa de educação já realizado até então. Alguns biógrafos a retratam como insegura e caprichosa, mas os feitos falam mais alto e, em resumo, Elizabeth foi um tremendo sucesso.
Em qualquer circunstância, tempo e proporção, o talento criativo deve ser encorajado e pago, deve ser apoiado e valorizado
Pertence a este tempo, tendo sido encorajadas, provocadas, cobradas e patrocinadas por Elizabeth, uma série de figuras cheias de talento e ousadia, como o corsário Francis Drake, o explorador Walter Raleigh e aquele que para muitos é o maior dramaturgo de todos os tempos, William Shakespeare. O autor de Hamlet, Othelo e Rei Lear talvez nunca tenha sido próximo da rainha como ficcionado no divertido filme Shakespeare Apaixonado, mas beneficiou-se do fato de a soberana ser uma fã da arte e do entretenimento popular. Neste contexto, Shakespeare cresceu, ganhou dinheiro, fama e a eternidade. Seu texto, fabulosamente sensível e engendrado, é até hoje cultuado graças ao fato de ter recebido apoio de quem tinha a autoridade e os recursos para tal. Em troca, Elizabeth ganhou mais um motivo para se destacar na história da Inglaterra.
O prazer pelo humor e pela poesia, pelo drama e pela comédia é privilégio de mentes avançadas, que entendem que a guerra, a ciência e até a política se beneficiam da arte e da cultura popular. Se Elizabeth tivesse tentado escrever os textos de Shakespeare, se desprezasse o talento do bardo, se não se realizasse como governante com as proezas artísticas de sua nação, não teríamos este legado tão importante. Em qualquer circunstância, tempo e proporção, o talento criativo deve ser encorajado e pago, deve ser apoiado e valorizado. Se seu custo por vezes for alto em termos de dinheiro ou subjetividade, ainda assim deve ser encarado com generosidade e alegria, para poder cumprir o papel que tem de transformar o complexo em simples, o esquecível em memorável. Quem incentiva o talento é inteligente e ambicioso.
*crédito da imagem no topo: Nastasic/iStock
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