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Carta Aberta aos Mídias. E ao mercado.

ATENÇÃO: este texto contém spoiler sobre a realidade


7 de janeiro de 2017 - 9h56

Por Domingos Secco Junior (*)

É inegável que em tempos de crise profunda e de falta de referências minimamente acreditáveis, abre-se caminho para salvadores da pátria. E vivemos tempos de muita crença e reza. Costumo falar que estamos sob uma tempestade perfeita. São quatro raios caindo ao mesmo tempo na cabeça de toda pessoa que trabalha com marketing no Brasil.

O primeiro raio já torra nossa vida desde o dia que abriu o primeiro site na grande rede de computador. A partir daquele dia, as pessoas deixaram de ser meras receptoras para se tornarem donas do campinho. Quem não lembra a famosa capa da Time colocando “Você” como a personalidade do ano? E todo esse empoderamento evoluiu até o on demand. Aí f*#&4 com o modelo clássico de fazer publicidade. O tal consumidor agora mandava na história. E o broadcasting indo pras cucuias…

O segundo raio é a digitalização, especialmente com os smartphones. Democratizou e tornou exponencial o pesadelo de muita gente. Não eram só os ricos e bem nascidos, mas agora até a periferia tinha poder. Todas as classes. Os velhos e as crianças. Todo mundo. Já não dava mais para esconder. Como defender as pesquisas de mídia? Como manter o prumo apenas com aquelas armas do século passado?

E aí, perto da Copa de 14, a crise econômica chegou pra arrasar o coreto de uma vez. Marcas fecharam as gavetas, botaram a grana embaixo dos colchões e o dinheiro sumiu. Só tem visto a cor aqueles que leram a tempestade e zarparam antes do tufão chegar. Muita gente não viu e fechou ou está louco para achar um dono pro seu negócio.

Mas eu falei em quatro raios. E o quarto raio é o tema deste artigo que foi pedido pelo querido Pyr após um comentário meu acerca da mídia programática no Brasil. O quarto raio é que mídia virou mercado financeiro de uma vez. Sempre foi, é verdade, mas agora está muito claro que o ativo em mídia está e será cada vez mais gerido por sistemas autônomos e de poucos donos. Bem, sempre foi de poucos donos, é verdade, mas ao menos você sabia o nome e tinha o telefone do vendedor. Agora nem mais isso você tem.

Não é uma questão de preferência, não tem mais volta. O nosso mercado democratizou, informatizou e globalizou. Tudo ao mesmo tempo, agora. A questão toda é que está começando enviesada, meio de lado, sabe?, cheio de vícios e com muita malandragem.

Vamos aos pontos que impedem o crescimento da mídia programática.

O banner não tinha morrido?
Podemos falar que o modelo de compra por plataforma, usando dados, com leilão ou compra “combinada” (isso tem vários nomes mais charmosos) promete ser o novo preto não apenas para o digital, mas para qualquer meio e canal, certo? Sim, é bem provável, que essa sentença seja verdadeira. E acredito que isso ocorra muito mais pela “força” e inteligência da máquina que pela vontade do homem. Sabemos que muitos compradores e vendedores gostariam que o tempo das vacas gordas nunca acabasse.

MAS, sempre tem um mas, o fato é que hoje a imensa maioria do que é transacionado programaticamente é o “bom” e velho banner. Muitos já o mataram nesses mais de vinte anos de vida. Outros deram um nome novo. Agora se chama display. Tem vários sobrenomes, mas um destino: ser o primo pobre do digital.

O banner é o início da saga, porque, se a gente pensar bem, vai chegar à conclusão que uma bolsa global de compra e venda de mercadorias sempre vai precisar criar suas commodities. E o banner é a commodity perfeita. Você deve lembrar quando o Google comprou a DoubleClick e muitos acharam uma perda de tempo (e dinheiro). O fato é que naquele momento a missão da empresa era criar um futuro mais bonito para o primo pobre e, quem sabe, dar início a conquista da tal sonhada verba do offline. Obviamente que o You Tube já estava encabeçando o plano.

Commodities! Commodities em bolsas internacionais de compra e venda. Qual é o efeito disso? Preços oscilantes mas sempre com tendência para esmagar os ganhos dos produtores. E os produtores aqui são os veículos.

Para agravar um pouco a situação do banner e o mercado de commodities do programático atual, vejamos os formatos. São os formatos mais básicos, pois são padronizados e não existe commodity sem padrão global. Isso é bom para transacionar, mas é devastador para quem busca resultados além da compra com eficiência.

E daí nasce o primeiro desafio do programático. Não apenas ampliar os meios e canais, mas os formatos. Experimente comprar uma dúzia de billboard para ver o quanto vai custar. Isso que billboard é formato IAB, hein? Hoje o comprador está refém de 5 ou 6 formatos. E pode lamber os dedos.

Você tem dado em casa?
Pois está na hora de usá-lo, se você pretende ter algum sucesso com programático. Chegamos ao segundo grande desafio do mercado. Na minha visão, a grande vantagem do programável (note que já estão mudando de nome pois precisamos evitar o mico da Geração Um) é o uso de dados na mídia em tempo real. Esses dias li um comentário que dizia: “reclamam do programático mas usam como se fosse uma adnetwork”. Achei excelente. E verdadeiro.

Como todo o resto desse extenso capítulo do digital, engatinhamos quando o assunto é dados. De um lado temos as informações de comportamento de navegação. E de saída preciso te dizer que ela leva em conta, na sua maioria, apenas dados de browser. Sabedores que somos que mais de 50% do consumo hoje é mobile e que 80% do tempo é dedicado a aplicativos, já conseguimos ter uma ideia do estrago dessa limitação. Do outro lado estão os provedores de dados. Ainda tentando entender como podem organizar, oferecer e gerar receita com isso. Essa conta está ficando cara demais. Vamos às contas.

Os prováveis 50% de incremento na efetividade da mídia em razão do bom uso dos dados, estão sendo usados para comprar as tecnologias e os próprios dados. O raciocínio é simples. Se toda campanha desperdiça 50% mas por outro lado você gasta até 50% para acertar na mosca, como profissional de mídia eu prefiro mil vezes gastar 100% errando e acertando. E é o que o mercado está fazendo. Está dando marcha ré na hipersegmentação e focando no alcance. Isso é tão péssimo quanto logicamente necessário. Nem preciso elencar aqui os N casos de grandes marcas, como a P&G, que mudaram sua forma de entregar no Facebook.

Vamos de novo a um desafio. Escolha um cliente. Pegue 1 milhão de cadastros de seu cliente. Agora vá até uma trading, DSP, DMP, escolha a sigla que quiser, e faça um deal para rodar mídia para esses clientes. Coloque uma dose de picardia, quebrando esta lista em duas centenas de custom audiences, de um jeito que algumas audiências fiquem com público abaixo de 10 mil usuários. Por favor, não realize esse procedimento antes de consultar um excelente cardiologista. Poderá causar infarto ou níveis excessivos de stress.

Gente, não pode ser assim. Ou melhor, é óbvio que é assim. Sabe porquê? Porque o digital é o berço da inovação. Sabe como se inova? Suando sangue. Tomando caldo de onda de Nazaré. Mas fica o aviso. Se você tiver um bom plano de saúde vai economizar tostões.

Bem, mas o que a piada infame do “tem dado em casa” tem a ver com isso tudo? Muito a ver, caro leitor. Gerenciar dados próprios é uma das chaves do sucesso. O dado próprio vai permitir que você fale no momento certo com a sua audiência e não com a audiência dos outros. É a diferença de uma lista de opt-in do seu site com uma base de sei-lá-quem que você comprou e disparou um e-mail marketing.

Os desafios do mercado de dados são inúmeros e são as empresas desse microssegmento às que mais se valorizarão nos próximos cinco anos. Pode anotar aí. Parte dessa importância está hoje muito bem representada com a figura do Cristiano Nóbrega, da Tail, na presidência do IAB Brasil.

“Tua Grife não vale nada”
Continua sentado porque vem um pouco mais de problema para a gente resolver. Vamos falar de inventário e placement. Está bem claro para o mercado que existe mais oferta que procura. A tendência é que exista ainda mais inventário de baixa qualidade disponível. Por outro lado, está cada vez mais raro contextos de qualidade. O que são contextos? São produtores e publicadores com credibilidade. O mercado – Google, Facebook e os outros quase gigantes – vem matando a galinha dos ovos de ouro há muitos anos. Deram espaço para os usuários criarem e distribuírem seus conteúdos. Isso é excelente, sem dúvida. Mas é inegável que está condenando a morte os veículos, especialmente os de jornalismo.

É comum ouvir a sentença acima da boca que comerciantes do programático. “O que importa não é o canal. O que importa é falar com a audiência certa.” Não caia nesse papo de comerciante. Não é um trade-off. Tá errado isso, cara. O perfil de anunciante que temos no mercado – aquele que pode comprar uma mídia de milhões por ano – tem uma marca que busca construir credibilidade. É por isso que essa marca está despejando milhões em PIs na praça. Essa marca não pode estar em qualquer lugar, MESMO que seu consumidor esteja. É, no mínimo, ético que os “new kids on the block” do programático respeitem isso. Que aumentem a porcaria do CPM então. Mas façam direito o trabalho.

Chega dessa balela de que o contexto, o placement, o canal, o diabo-a-quatro não importa. Importa sim. E está claro para quem é do carteado que faz muita diferença. Vou contar uma história. Certa vez sentamos diante de um cliente que aceitou o desafio de comparar resultado de uma mídia em Black Friday. De um lado, o incrível mundo programático; de outro, um portal regional com seus formatos padronizados e sem nenhum tipo de segmentação. Bah! Foi nocaute no primeiro round. Preciso dizer que foi à lona? Mas calma. Tudo tem uma explicação com um nome bonito. É o tal do first look. Para nossa empresa foi saia-justa, não first look.

Esta aí a razão daquele comentário: “usam programático como se fosse adnetwork”. Sabe por quê? Porque o mercado está implorando whitelist. O mercado está cansado e abrindo mão do sonho dourado do programático porque só vendem porcaria. Eu não quero minha marca no OLX e muito menos num site asiático de quinta categoria e nem me venha com num site pirata de video on demand.

E eu também penso que o mercado tem que pagar caro por isso. Tem que pagar o que vale uma mídia com formato decente num publisher decente. E que o lixo fique para os que gostam de lixo. A preço de lixo.

Óbvio que o comprador também é responsável por isso. O mercado está endeusando a métrica. Compra CPC, CPA, ROI. O que importa é gerar o resultado. Estamos de volta ao tempo de Maquiavel. Não interessa o meio. O que vale é gerar o resultado final. E dane-se a marca. Mas isso é assunto para outro artigo.

PRECISAMOS URGENTEMENTE SEPARAR O JOIO DO TRIGO. Sem jargão bonito em inglês. Sem palestra bacana. Sem viagem pra gringa. Percebem a gravidade do que está acontecendo? A venda desse lixo está para o digital como o uso de trabalho escravo está para o varejo de moda. Tem que ser exterminado do mercado. Pelo mesmo o mercado limpo que é o mercado das agências, do IAB, do M&M. De todos nós, que de uma forma ou de outra trabalhamos com isso.

Estou convicto que isso vai e já está acontecendo. Os picaretas estão com os dias contados. As empresas sérias que temos criarão políticas comerciais e os produtores já estão se organizando para ganhar força na mesa de negociação. Vem aí importantes capítulos dessa saga.

Não me interpretem mal. Não sou da velha guarda. Não sou defensor do status quo. O que clamo é por dignidade. Todos podem e devem ganhar. O mercado precisa se fortalecer pois os raios que estão atingindo nossas cabeças são fortes. E vai ser preciso muito mais que preço baixo, sigla bonita em inglês, inventário coco e dados meia-boca para que a publicidade brasileira volte a ser uma referência mundial.

Se a carapuça serviu para você, querido leitor, saiba que não é pessoal. É apenas o desnuvear de uma prática que já está com os dias contados. Porque de uma coisa eu tenho certeza. Ou o mercado envolvido com o programático encara os desafios e acerta o rumo, ou ele vai ser engolido por outros caminhos que já entregam resultado.

Vamos fazer um private deal?
Só enviar um Hello World

(*) Domingos Secco Junior
Secret agent na Alright Media

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